Dois anos antes

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Dois anos antes


Aquele era um belo dia para surfar.

Eu estava com uma blusa de Will e a minha prancha embaixo do braço.

Olhei para a praia e lá estava Will, ele tinha apenas treze anos e estava embaixo do guarda-sol, longe de mim, dormindo de braços cruzados com seus óculos no pescoço de boca aberta.

Eu até conseguia ver sua perna tremendo por causa dos seus sonhos - ele chutava forte as vezes. Eu tinha hematomas para comprovar.

Entrei no mar com calma, apreciando o choque térmico do sol com a temperatura inferior do mar.

Comecei a andar sentindo pequenas conchas espalhadas na areia.

Fui um pouco mais para o fundo remando com as mãos. Minha pele era bronzeada naturalmente, e meus cabelos estavam clareando de tanto tempo que eu passava surfando ou na praia.

Era um dos meus lugares preferidos, depois do penhasco; porém, aquele era um ambiente diferente. Era o meu segredo e de Will. Nós íamos para lá para conversar, pois poucas pessoas o frequentavam, dizendo que era tétrico.

Eu achava belo.

Remei até meus braços doerem. Vi que estava bem longe da praia, porém pude notar que ele havia acordado e estava me procurando. Balancei a mão em sua direção, e berrei seu nome. Ele sorriu para mim, se levantou colocando os óculos e caminhou na minha direção, parando antes de entrar no mar.

Fiquei esperando a onda certa, aquela perfeita para mim.

Então ela surgiu no horizonte ofuscando tudo ao seu redor.

Acompanhei-a e me impulsionei; consegui capturá-la e, logo, eu estava surfando nela. Eu e mais ninguém.

Entrei em seu tubo, aproveitei a segurança em meus pés para olhar para Will - mesmo distante, eu percebi que havia algo de errado com o seu olhar.

Ele começou a entrar no mar.

Olhei para a minha frente e vi o que ele havia visto.

A onda havia se fechado e eu colidiria com uma parede de água que poderia pesar toneladas. Antes que eu pudesse escapar, escorreguei e a pressão da onda me afundou no mar.

Senti a corda da prancha arrebentando com força em meu tornozelo, afastando-se.

Ela girou comigo, impotente, e com a força da onda, colidiu contra a minha cabeça. Senti a pancada e a ardência da quina em contato com a minha testa.

Acho que a prancha quebrou com o contato, além da força da água para, enfim, sumir da minha turva visão.

Tentei bater meus pés para controlar a onda, para me afastar daquela água que estava tentando me matar, porém a dor latejante em minha cabeça me impedia já que eu ainda estava girando descontroladamente, sendo arrastada pelo mar para frente e para trás.

Quando eu consegui emergir, outra onda apareceu atrás de mim e eu afundei - engoli litros de água salgada.

Eu não desisti de lutar, porém... parecia que não havia como eu vencer aquela batalha.

Imergi, não estava mais com forças para tentar domar o oceano e decidi que ele deveria fazer o que bem quisesse comigo - eu provavelmente merecia esta punição por ser tão inconsequente, remar tão fundo e achar que eu controlava a natureza. Eu era bem convencida.

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