Bônus

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Uma chuva muito grossa e abundante batia no vidro da janela do meu quarto, enquanto eu estava debruçado sobre a escrivaninha tentando terminar de escrever o roteiro para a aula do dia seguinte. Olhei para o relógio do celular e já havia meia hora que eu batia a ponta do lápis naquela folha em branco. Eu não conseguia pensar em nada. Hoje não era um bom dia. Nunca era.

Eu devia estar no túmulo dela. Eu ia todos os anos. Mas por conta da chuva, minha mãe não queria que eu me arriscasse a dirigir. Aquilo estava me matando por dentro. Sentia a culpa me corroer por isso, sabia que não fazia sentido, mas não conseguia impedir.

Eu não estava presente lá hoje. Era seu aniversário. Se eu fechasse os olhos quase podia ouvir o som da sua risada. O cabelo loiro liso acima dos ombros balançando de um lado para o outro sempre que ela gargalhava, e os olhos azuis gigantes. Era minha culpa, se eu não estivesse tão ocupado no celular, Hanna estaria aqui hoje. Nem parecia que já se faziam seis anos.

Depois de algumas horas eu desisti do roteiro. Teria que aceitar o zero que levaria na aula de amanhã. Desci para cozinha atrás de minha mãe na esperança dela ainda estar tentando criar novos pratos para o restaurante.

Para minha sorte, ela estava.

Minha mãe parecia radiante na cozinha. Os movimentos rápidos e delicados feitos naturalmente. Ela não parecia triste, mas eu sabia que nesse assunto em particular ela era muito boa em esconder seus sentimentos de mim. Sabia também que não podia ser apenas coincidência que seus melhores pratos foram criados nessa data.

- O que está preparando? - Eu sentei no banco e me debrucei na bancada para poder sentir o delicioso aroma. - Isso é porco?

- Sim, costelas! - Ela falou sorridente. O cabelo loiro estava preso atrás das costas em uma trança. - Você esta ficando bom em aromas, foi assim que eu comecei. Talvez tenha seguido o parente errado na escolha da profissão.

Eu sabia que ela estava brincando, mas podia sentir a pontinha de desapontamento em sua voz. Ela adoraria uma filha que seguisse seus passos. Balancei a cabeça e tentei mudar o foco dos meus pensamentos.

- O Jason mandou avisar que vem comer aqui - Eu não estava falando realmente a verdade, queria apenas mudar de assunto. Mas também não era mentira. Era quarta-feira e ele sempre saia tarde da aula e vinha direto para cá.

- Ah, eu já havia imaginado. Ligue para seu pai e peça para ele passar no restaurante e pegar uma torta para sobremesa.

Fiz o que ela mandou. Meu pai atendeu no primeiro toque e eu dei o recado a ele.

- Como você esta? - Ele perguntou antes que eu pudesse desligar o telefone.

- Hoje não é um bom dia para me fazer essa pergunta.

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- Antony, ele é seu filho! - Minha mãe tentava falar baixo, mas não havia nenhuma parede nos separando.

Eu estava na sala fazendo uma maratona de filmes indicados ao Oscar. Meus pais estavam na cozinha conversando aos cochichos. Eu não estava realmente interessado naquilo até ouvir ao que minha mãe havia dito. Me inclinei no sofá para poder observá-los.

Minha mãe estava batendo um pé impacientemente do jeito que ela sempre fazia quando esperava por algo. Era tão raro vê-la se chateando por qualquer motivo que fosse. Ela mantinha o pescoço bem inclinando para poder olhar nos olhos do meu pai. Vi quando os ombros dele caíram, mostrando que por qualquer que tenha sido o motivo, ele havia perdido a briga. Nossos olhos se encontraram.

- Então, o que houve? - Eu sabia como meu pai era péssimo em começar papos sérios comigo.

Minha mãe o empurrou em minha direção e voltou para cozinha. Ele veio a passos lentos até o sofá. Os olhos estavam presos no teto e eu sabia que ele estava tentando criar a conversa perfeita em sua mente. Eu também sempre fazia isso.

Sempre ao meu ladoOnde histórias criam vida. Descubra agora