O sol que antes emanava toda sua beleza e calor começava agora a deixar o seu brilho morrer em um lindo pôr do sol. Não era justo. O dia não deveria ser tão lindo. Os pássaros não deviam cantar com tanta sintonia. Não hoje. O mundo deveria estar cinza assim como a minha vida acabava de ficar. Não entendo porque entre tantas pessoas, logo ela tinha que ir.
Olhei mais uma vez para os meus sapatinhos pretos que insisti tanto para que ela comprasse para mim. Não queria mais os sapatos. Só queria a minha mãe de volta. Sentir seu cheiro de amaciante de coco sempre que me dava um beijo no portão da escola e o modo como penteava os meus cachos com toda paciência do mundo mesmo depois de um jogo de futebol.
- Em, tem uma coleguinha sua aqui - Minha tia anunciou da porta do meu quarto.
Levei um tempo para compreender o que ela estava falando. A maioria das garotas da minha turma não gostavam muito de mim. Eu não era como elas. Odiava brincar de boneca e fingir que era dona de casa. Gostava de jogar futebol e brincar de gude com os meninos, e por isso elas sempre acabavam por preferir me afastar. Eu não me importava com isso, meninas eram enjoadas demais para o meu gosto.
Olhei mais uma vez para o meu vestido preto que a irmã de meu pai insistiu para que eu usasse e me dirigi até o salão onde estava ocorrendo o velório. Aquilo mais parecia uma festa. Para quê servir comidas e bebidas? Algumas pessoas choravam, mas a maioria apenas conversava sobre como minha mãe era radiante enquanto viva. Não entendia porque todos não estavam sentindo um enorme buraco no peito como eu. Queria que todos estivessem chorando e dizendo o quão injusta a vida era, mas sabia que mamãe nunca aprovaria isso.
- Emily? - Olhei para o lado e reconheci a minha colega Melissa Santiago.
Ela usava um conjunto de calça e blusa pretos, o que eu gostaria de estar usando. Estava com um sorriso frouxo, mas não parecia sem jeito. Sua mãe estava mais atrás, conversando com o meu pai e observando sua filha.
- O que faz aqui? - Perguntei na defensiva.
- Soube o que aconteceu - Ela disse em um sussurro. Todos na sala sabiam, a diretora ligou pedindo pêsames e falou que toda a turma orou pela minha família. Não queria que ela tivesse feito isso, não queria ter que aguentar o olhar de pena de garotas certinhas como a Melissa - Pedi para minha mãe me trazer aqui, achei que talvez precisasse de apoio.
- Acho que já tenho apoio suficiente por aqui - Eu estava com os olhos semi cerrados para ela.
- Ah. Eu imaginei que sim - Ela olhou ao redor, talvez procurando sinal de algum dos meus amigos. Mas nenhum deles havia aparecido. - Eu já perdi minha avó paterna. - Ela continuou, se sentindo inabalada pela minha frieza - Sei como pode ser duro. Se precisar de uma amiga, minha mãe já me deixa mexer no fogão. Posso vim aqui fazer brigadeiro.
- Por que está sendo tão legal?
- Eu acabei de explicar - Ela pela primeira vez pareceu aborrecida. Logo em seguida seu rosto se suavizou novamente, talvez lembrando o motivo por estar ali. - Você talvez possa precisar de uma amiga. Ouvi dizer que garotos não são muito bons ouvintes. Minha mãe fala o tempo todo isso ao meu pai. Bom, se quiser conversar pode me chamar.
Ela olhou mais uma vez ao redor e pousou seu olhar no caixão. Mel se demorou um pouco naquela caixa de madeira e depois seus olhos gigantes totalmente desproporcionais ao seu rosto se voltaram para mim. Ela esperou por uma resposta, mas sua atitude havia me deixado totalmente atônita. Não me lembro de um dia alguém já ter sido tão legal comigo. Ao menos, nenhum dos meninos e com certeza nenhuma das meninas. Com a falta de respostas, ela apenas acenou com a cabeça e se virou em direção a sua mãe.
- Melissa! - A garota se virou rapidamente com expectativas nos olhos. - Você quer conhecer o meu quarto?
- Claro! - Ela disse, já ao meu lado.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Sempre ao meu lado
Literatura Feminina- Você vai ser uma médica maravilhosa - Ele disse. Aquele sorriso que hoje eu conhecia tão bem estava estampado em seu rosto.O mesmo sorriso que me cativou e me ganhou antes mesmo que eu pudesse me dar conta - Eu vou estar sempre te observando para...