Capítulo 2 - Não cobre tanto de mim.

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Acordei com o sol forte na minha cara e meu celular vibrando dentro da bolsa, olhei para o lado e quase tive um ataque cardíaco quando vi um moreno dormindo ao meu lado, eu ainda não me acostumei com isso. Me levantei e minha cabeça estava me matando, tirei meu celular da bolsa e notei que estava só de calcinha e sutiã, respirei fundo e olhei pra tela do celular, que vibrava sem parar, mas uma chamada perdida do meu pai, entre as outras vinte chamadas não atendidas, três mensagens, em todas ele perguntava onde eu estava. Meus olhos se arregalaram no mesmo instante em que eu vi a hora, eu estava mais do que atrasada, meu pai iria arrancar meu pescoço. Mandei uma mensagem de pedido de desculpas e desliguei o celular, na tentativa de ter um pouco de paz. Notei que eu estava em um quarto bem iluminado pela luz do sol, uma cama e uma mesa com alguns morangos e bebidas. Bufei, não era a primeira vez que eu dormia com um garoto qualquer de balada, vocês devem estar me achando uma vaca... no início eu também me achava, mas vocês logo irão entender tudo. Coloquei meu vestido da noite passada, fui até um banheiro que havia no quarto e lavei o rosto, a maquiagem estava um pouco borrada e eu estava com uma cara cansada e amassada. Ao invés de por os saltos, peguei ele nas mãos e sai do quarto sem me despedir do garoto do par de olhos atraentes. Meu carro (não sei como) estava estacionado em frente ao motel, só agora percebi que estava em um motel, e que ele era esquina da balada que eu frequentei ontem. Entrei no meu carro e dirigi até a minha casa, estava decidido, eu não iria trabalhar hoje.

-Não foi trabalhar hoje?- perguntou Amber ao me ver entrando na casa.
-Está me vendo aqui? Não está?- perguntei revirando os olhos e com os dedos na testa, precisava tomar um remédio urgentemente.
-Nossa, desculpa...- ela falou e saiu da sala.
Era bom estar em casa, ver como tudo funcionava aqui quando eu estava na empresa.
-Pelo visto a noite rendeu ein?- disse Mia tentando me irritar, ela estava na cozinha, comendo pra variar. Alex estava com ela, eles riram e eu abri um armário a procura do meu remédio.
-Não enche.- falei seca.
-O pai vai ficar muito puto quando descobrir que você não foi pra empresa.- Comentou Alex e Mia riu. Qual é, era complo?
-Ele já está.- murmurei, quase inaudível mas o suficiente para os dois ouvirem e darem risadinhas maléficas. Eu não sei mesmo qual era a deles comigo, eu nunca fiz nada contra eles, éramos pra ser três irmãos unidos, mas nem isso eles conseguem. As vezes eu me pergunto, porque será que as pessoas tem tanta raiva de mim?
Sai da cozinha pondo um remédio goela abaixo e subi para o meu quarto. Tomei um banho quente para relaxar e coloquei um shorts curto de moletom preto e uma blusa cinza de manga comprida. Me deitei na minha cama e peguei no sono enquanto lia alguns email's.

-Levanta Calíope Hall!- Gritou meu pai, logo depois de abrir a porta do meu quarto bruscamente. Acordei e me sentei na cama, minha cabeça havia parado de doer, pisquei duas vezes e olhei para ele, seu rosto estava duro e vermelho, provavelmente de raiva.
-O que foi?- perguntei baixinho me encolhendo na cama.
-O que foi o cacete, Calíope! Estou esperando você no meu escritório, agora mesmo.- ele disse e saiu.
Levantei respirando fundo e jogando todo o ar preso, para fora. Arrumei minha roupa e fiz um coque e então corri pro escritório do meu pai, ele ficava no mesmo andar que o meu quarto e o quarto dos meus irmãos, o quarto, ou melhor, a suíte do meu pai era no terceiro andar.
-Pode falar.- falei enquanto entrava no escritório e fechava a porta, ele estava sentado na cadeira, virado de costas.
-Senta aí.- ele disse enquanto se levantava e entrelaçava as mãos atrás das costas e andava de um lado para o outro.
-Qual o assunto?- perguntei intrigada, mesmo sabendo do que se tratava sua histeria.
-Qual o assunto?- ele disse se virando rapidamente e arqueando uma sobrancelha, assim como ele fazia quando estava bravo, naquele momento, eu desejei não ser eu, só por um tempo.- Calíope você tem consciência do que fez hoje? Foi total falta de responsabilidade e compaixão pelo seu local de trabalho!- ele cuspiu as palavras em mim. Respirei fundo para não debater e tentei ouvir tudo calada.
-Você é igual sua mãe, Calíope. Você é totalmente irresponsável!- Gritou, foi quando eu extrapolei, ele não poderia me tratar daquela maneira, eu ajudava ele em tudo que ele precisava naquela empresa, e nunca recebi um obrigado, do que ele estava reclamando agora? Sem perceber, eu já estava de pé e o encarando com os olhos semicerrados.
-Irresponsável? Irresponsável uma merda!- gritei no mesmo tom.
-Olha só como você fala comigo, Calíope. Abaixa esse seu tom de voz.- falou alterado, soltei uma risada com escárnio.
-Quer dizer que você pode gritar comigo, e eu tenho que ficar calada? Não papaizinho, a situação mudou, eu já sou bem grandinha pra ter que ficar engolindo seus sapos.- falei ensandecida.
-Você pode ter 23 anos, ser formada em administração e saber bem o que quer da sua vida, mas, você é minha filha, é irresponsável sim e mora debaixo do meu teto, então não venha com essa.- ele disse.
-Não venha com essa? Ah por favor né, não venha com essa você!- continuei enfurecida.- Você não está nem ai pra mim desde que Amber deu luz a esses dois monstros, está vendado demais pra perceber que quem precisa da droga da sua atenção aqui sou eu! Quem cuida da merda da sua empresa, sou eu! Quem foi abandonada pela mãe, fui eu!- gritei, incrédula com tudo que estava saindo de mim, mas continuei firme e forte, sustentando a minha armadura.
Ele ficou em silêncio me encarando com os lábios entreabertos, seus olhar transparecia frustração, não estava acreditando, pela primeira vez em anos, eu tinha conseguido calar o meu pai.
-Mas eu tenho que agradecer não é? Tenho que agradecer por ser rica, tenho que agradecer por ter uma vida boa, Tenho que agradecer por você escolher a minha faculdade por mim, tenho que agradecer por você me dar mil reais ao invés de carinho, tenho que agradecer por você cortar todos os tipos de relações que eu tenho, não é mesmo papai?- falei cheia de raiva, só agora eu percebi o monstro que eu estava alimentando dentro de mim. Ele parecia ainda sem palavras.
-Querida, eu não sabia...- ele falou tentando tocar o meu rosto, mas eu me afastei, encarando o chão, interrompi ele.
-Não se preocupe...- falei baixinho, logo em seguida, cravando meus olhos nos dele.- Eu vou ficar bem, como sempre... Não se preocupe comigo, se preocupe com você. Você é tão egoísta, egocêntrico e rude que não percebe que está perdendo as pessoas mais próximas de você.- falei e sai do escritório, cambaleando até meu quarto, entrei e me joguei na cama, várias lágrimas caíram, fui até meu closet e voltei com meu violão, da última vez que vi minha mãe, ela havia me dado um, eu tinha uns 10 anos e não estava nem um pouco interessada em violão, mas aos meus 14 anos eu fiz aulas particulares e aprendi. Sentei na beira da cama e fechei meus olhos, deixando as lágrimas caírem, eu gostava de cantar e tocar quando estava triste.

Juro que não sei o que fazer pra me livrar desse vazio que carrego
E que insite em aparecer pra me levar de volta onde eu nunca quis estar
O que pode ser mais importante e triste para um homem do que seus próprios desencontros
E a sensação de não poder mudar?

A memória aos poucos falha mas as lembranças nunca desaparecem
O relógio as vezes para, por que as pilhas estão gastas, mas o tempo não esquece
De tudo que perdemos, das brigas que tivemos, dos dias em que desejamos não ter existido
Dos beijos não roubados, abraços cativados e jogados ao vento

Parei na metade da música, joguei o violão do meu lado em cima da cama e cai no choro. Chorei bem baixinho, pelo que eu era, pelo que eu não era e pelo que eu queria ser, mas não conseguia, ou talvez, não podia. Eu queria ser a droga de uma adolescente normal, não queria ter a responsabilidade de cuidar de uma empresa. Eu queria amar alguém, aliás, eu queria dizer que amava alguém, pelo simples fato de amar e sentir prazer nisso. Queria alguém que gostasse de mim pelo que eu sou por dentro, queria ser alguma coisa boa aqui dentro dessa casca de garota independente. Eu nunca havia dito que amava alguém, nem meu pai, nem minha mãe, era estranho, parecia que eu não tinha vida, não tinha personalidade.
Me levantei da cama e fui até o meu criado-mudo, abri a gaveta e peguei um mapa que estava jogado lá a meses. Eu estava arquitetando um plano pra fugir de tudo isso, sim, eu queria fugir. As vezes eu entendia minha mãe por ter fugido, ela fez a melhor escolha da vida dela. Meu pai suga a personalidade dos outros ao seu redor, ele acha que todos tem que ser como ele, os mesmo gostos e ambições. Eu era uma garota risonha, cheia de sonhos, inclusive viver viajando pelo mundo, atuando em uma peça. Vivendo da pouca grana que eu ganhasse e morrendo de amor por alguém. Mas isso não estava nem perto de acontecer.
Encarei o mapa por um tempo e respirei fundo, passando meus dedos por seu papel grosso, desejando um dia estar em cada lugar ali.

Neena veio me chamar para o jantar e eu recusei, ela era a empregada mais antiga da casa e nós havíamos criado um laço, assim que viu minha cara de choro logo veio me abraçar, mas como eu disse, eu tenho sempre que estragar alguma coisa, sempre tenho que afastar as pessoas, esqueceu que eu não deixo ninguém se aproximar muito? Disse pra ela se retirar do meu quarto e ela me obedeceu, me odiei cada minuto por ter feito aquilo, eu queria ou não queria a atenção de alguém, afinal?

A Filha de um MilionárioOnde histórias criam vida. Descubra agora