Capítulo 8 - Intimidade

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Duas semanas depois...

-Ah seu pai vai me matar.- falou Austin pela milésima vez, eu ria do seu nervosismo, mas a verdade é que eu não estava aguentando mais aquelas buzinas, aquele trânsito, aquela impaciência...
Sabe o que é aquela chuva de cair o mundo? Então, estava exatamente assim em boa parte dos Estados Unidos, eu estava viajando para uma reunião de carro mesmo, porque como estava um tempo chuvoso, era muito perigoso ir de helicóptero ou o nosso avião, mas to vendo que de carro é bem pior. Eu tinha uma reunião com empresários importantes, marcada para exatamente daqui a... Caraca, faltavam apenas 20 minutos. Nunca que eu ia chegar a tempo em Los Angeles, para essa reunião.
-Austin, relaxa. Não preciso ir para essa reunião.- falei olhando a chuva cair na janela.
-Não precisa? Seu pai falou que está fora de cogitação você não aparecer nessa reunião.- falou atropelando as palavras, fazendo eu rir mais ainda.
-Meu pai não sabe de nada, eu não quero isso.- desabafei e o sorriso sumiu do meu rosto, ele me encarou por alguns segundos e depois voltou sua atenção a estrada. Ele ficou sem entender, mas também não queria se intrometer e perguntar por que, então optou pelo silêncio.
Austin e eu, digamos que estávamos mais íntimos...sim, não sei se é exatamente essa a palavra certa que se dá para duas pessoas que vivem se trombando por aí, pela ironia do destino. Eu sempre trombava com ele quando estava chegando de alguma balada, ele adorava beber leite quente a noite e eu adorava trombar com ele naqueles horários, onde o assunto faltava e era apenas alguns "Oi" e "Boa noite" tímidos que nós conseguíamos dar. Mas como eu disse, eu gosto mesmo é do silêncio, da falta de palavras, então né?...

Ele resolveu parar em algum hotel, estava anoitecendo e de forma alguma aquela reunião iria acontecer. Eu sei que iria tomar uma bronca daquelas, mas eu realmente não estava nem um pouco afim.
-Senhorita?- perguntou me encarando, eu o fitei.- Quer que eu peça um quarto para a senhorita?
-Seria de muito bom grado.- falei e depois bocejei.
Tirei algumas coisas do porta malas e depois ele voltou com uma chave na mão. Pegou todas as minhas malas e carregou até o meu quarto, puxa ele era forte.
-Se precisar, é só chamar.- ele disse pronto para se retirar do quarto, mas eu o impedi colocando a mão em seu peitoral, ele baixou o olhar até onde estavam minhas mãos e depois me fitou desnorteado. Tirei minha mão da onde estava e pus atrás do meu corpo, limpei minha garganta.
-Olha só, Austin. Não é problema algum você dormir aqui.- falei e ele me pareceu surpreso.
-Não senhorita, eu não posso.- disse e mais uma vez eu tive que segura-lo, mas dessa vez não me intimidei e não tirei minha mão.
-Não é problema algum, Austin.- falei mecanicamente e ele entendeu, entrou para dentro do quarto e correu para tomar um banho. Sorri com seu jeito desengonçado e lindo de ser.

A chuva estava horrível lá fora, constatei mais uma vez que minha presença naquela reunião seria impossível, alguém não queria que eu fosse. Eu mandei um email de desculpa para o papai, e ele começou a me xingar de irresponsável, mas eu desliguei o notebook e bem nessa hora, Austin surgiu no meio do quarto, apenas de calça jeans, secando seus cabelos com uma toalha branca, era bom eu não estar babando naquele momento.
-Desculpa, mas eu não tenho roupas aqui.- falou, meio desconcertado, seu rosto estava vermelho.
-Nós vamos embora amanhã, não precisa de roupas.- falei sem pensar. Ele apenas assentiu e eu fui pro banheiro tomar um banho, eu sim tinha pegado roupas o suficiente para passar metade de um ano vivendo aqui. Pus uma camisola preta longa e voltei para o quarto, ele estava sentado no chão com as costas escoradas na cama, vendo uma notícia na televisão, sobre como o dólar estava aumentando cada vez mais, bufei. Ele percebeu minha presença e sua boca se abriu um pouco quando me viu, ele tentou desviar o olhar de volta para a televisão, mas estava meio que escrito na sua testa que aquilo iria ser irrelevante. Me deitei na cama e comecei a olhar minha unha, então acabei pegando no sono ali.

Acordei e estava tudo escuro, exceto por uma claridade que vinha da sacada. As portas da sacada estavam abertas, suspeitei que alguém estava ali, me levantei e fui até lá devagar. Suspirei de alívio quando vi Austin encolhido, agarrando suas pernas contra o corpo, sua cabeça deitada sobre seus joelhos e uma noite excepcionalmente linda. Não estava mais chovendo, o tempo estava bem limpo e calmo, um céu azul intenso sem nuvens, era tudo que eu precisava ver agora. Me sentei ao lado dele, tentando entender o problema de ele estar aqui, encolhido, ao invés de estar dormindo. Fui com a cara e a coragem, como fiz naquele dia na árvore com a Mia, respirei fundo para que ele percebesse a minha presença, ele começou a fungar e limpar os olhos rapidamente, ele estava chorando, meu coração doeu por um instante. Apertei minhas pernas contra meu corpo também, e deitei a minha cabeça nos meus joelhos, só que a cabeça estava virada para ele.
-Não consegue dormir?- perguntei, ele assentiu e fungou denovo.- E porque?- tomei coragem pra perguntar, ele me encarou por um tempo e parecia organizar as coisas dentro da sua cabeça.
-Você quer mesmo saber?- disse e eu assenti, mesmo sem saber se queria mesmo, poderia ser um caminho totalmente sem volta. Ele respirou fundo, como se aquilo fosse um peso nas costas, um peso que ele precisava carregar, mas que também precisava de um ouvinte as vezes, me aconcheguei perto dele e sorri de leve para que ele começasse.
-Calíope...-ele disse meio tenso, triste e inseguro, assenti.- Você não sabe nada sobre mim... nada sobre...- repetiu, minha expressão mudou, como se eu não esperasse estar ouvindo aquilo, e por Deus, eu pedia em silêncio, para que não fosse o que eu estava pensando.- Vou te contar o começo da minha história... Era uma vez, um garoto cheio de sonhos, um garoto que vivia no mundo da lua, sonhando, acreditando que tudo fosse dar certo. O garoto abandonou sua mãe e seus quatros irmãos, para ir para Hollywood tentar a vida como ator, que era seu grande sonho...- nesse instante meu queixo caiu, ele tinha o mesmo sonho que eu? Pelo menos ele não tem um pai que destrói os sonhos dele.- Mais aí o garoto se viu em um buraco negro, talvez só seu sonho não fosse suficiente. A pobre mãe adoeceu, ficou difícil as coisas na sua casa, pois os irmãos mais velhos se casaram e foram embora da cidade, e aí surgiu a questão? Quem vai pagar as contas? Até que um dia, o grande garoto sonhador recebe uma ligação da mãe, ela lhe conta tudo e bom, sem pensar duas vezes o garoto sai pra procurar um emprego. Acha um emprego em uma lanchonete de esquina, que não ganha muito, mas quase o suficiente, então ele vive disso, vive para pagar as contas da mãe.- ele falou e duas lágrimas já haviam sido liberadas por seus olhos.
-Sinto muito, Austin.- falei abraçando ele, um abraço maternal, carinhoso e confortante.
-É irônico né, Calí?- perguntou baixinho ao pé do meu ouvido, eu estava quase me arrepiando se a situação não foi deliberadamente triste.
-O que é irônico?- perguntei.
-Nós corremos atrás de nossos sonhos, e de repente quando achamos que está tudo bem, nos vemos em um buraco negro, batendo em uma parede de conflitos, e aí os sonhos já não existem mais... Já não parecem mais o suficiente.- falou sorrindo mas seus olhos choravam.
-Eu não tenho uma história muito diferente não...- eu falei em um fiapo de voz, enquanto voltava a minha posição anterior, apertando minhas pernas contra meu corpo pequeno.
-Como assim?- perguntou baixinho. Eu respirei fundo antes de começar.
-Austin.- falei e cravei meus olhos nos dele, a impressão que eu queria passar era de uma pessoa sincera, mas, com aqueles pares de olhos castanhos esverdeados na minha frente, eu parecia mais uma Maria-mole.- Talvez você não seja o único sonhador que se deparou com uma parede de problemas e não conseguiu chegar lá...- ele estava confuso.- Vou te contar uma história.- falei e voltei minha atenção para a lua, que estava muito linda por sinal.- Era uma vez uma garota sonhadora, cheia de força de vontade para conseguir o que queria. Seu pai, um empresário milionário, forçou a filha a sair do mundo da lua... ele disse que ela ia fazer faculdade de administração e não queria saber de discussão, ela só iria e pronto, então ela foi, e desde então só vive trancafiada no alto da torre mais alta, fazendo contas e mais contas, lidando com os problemas do mundo real.- falei com uma voz carregada de emoções, olhei para ele para ver sua expressão e ele estava com um olhar de "Ei eu te entendo", nós sorrimos um para o outro e depois nossos ombros caíram, relaxados, eu estava aliviada em ter alguém pra me entender. Ficamos abraçados por um tempo, olhando a lua, até que eu decido quebrar o silêncio.
-Austin..- chamei, ele assentiu.
-Se não for pedir muito...- falei- Será que você pode me falar sobre sua família? Sobre a doença da sua mãe...
Então ele começou a contar, desde o início. Ele morava com a família em uma pequena casa no subúrbio de Nova York, foi para Hollywood assim que completou 18 anos, era jovem, cheio de sonhos e queria muito atuar. Sua mãe adoeceu logo após sua saída, ela ficou com câncer de mama e atualmente está em uma casa de repouso, seus irmãos, Kim a mais velha se casou assim como Buddy, os mais novos, Lea e Valentin, de 14 e 10 anos, estavam sendo cuidados pela tia, Austin disse que sua família dependia desse emprego, ele os sustentavam com o pouco que ganhava. Eu fiquei completamente chocada, Austin assim como eu, tinha uma grande responsabilidade a pesar em suas costas.

A Filha de um MilionárioOnde histórias criam vida. Descubra agora