29.

83 9 1
                                    



A semana tem-se arrastado como um velho já cansado de se apoiar sobre as próprias pernas, demasiado debilitado para conseguir caminhar. Gostava de poder dizer que está tudo a correr como sempre quis e desejei, mas não posso ser tão otimista no que toca à vida. Por incrível que pareça há sempre alguma coisa que nunca está bem quando tudo o resto se encontra em boas condições. Pormenores como diz a minha mãe. São somente pormenores que das duas uma: ou aprendemos a lidar com eles ou ignoramo-los. Mas no meu caso não posso de maneira nenhuma desprezar o facto de a mulher que me trouxe à vida estar a caminhar para a morte, a cada dia que passa fica mais próxima da linha final.


Suspiro lentamente e Evelyn passa as mãos pelos meus ombros.


"Estás muito tensa." – constata e aceno afirmativamente. – "Sei que não estou em posição nenhuma para te dizer isto, mas eventualmente as coisas irão melhorar."


Não posso negar o facto de ter uma certa razão, as coisas podem sempre mudar para melhor e Eve é otimista o suficiente para ter essa visão do mundo, mas nem toda a gente é portadora dessa mesma capacidade. Eu, por exemplo.


"Mudando de assunto." – digo e atiro com o pano para o balcão. Hoje o meu turno está muito parado. – "Como está o Collin?"


Evelyn sorri, porém um sorriso custoso, que se vê que é um tanto forçado. Não é para menos e sei perfeitamente que todo este conflito não se tem revelado nada fácil para ela. Os dedos das suas mãos entrelaçam-se sempre que o tema de conversa é o namorado e a sua condição física.


"Sabes como é... Tem ido à fisioterapia todos os dias e vai às consultas no psicólogo." – acaba por dizer o mesmo de sempre. – "Há melhorias, a mobilidade dele tem melhorado bastante. Mas tem sido um processo difícil, é como se tivesse que voltar a aprender a andar novamente." – encolhe os ombros como se tivesse dois enormes pesos em cada um.


"Tenho que lhe ir fazer uma visita." – digo e sorrio-lhe.


Evelyn sorri para mim e dou-lhe a minha mão que aceita de bom grado, agarrando-a. Um cumprimento para lhe dar força. Porém, nesse mesmo instante sigo o seu olhar preocupado e vejo Collin entrar no bar de cadeira de rodas a ser empurrada por Marcel.


"Por falar no diabo." – murmuro e Eve sorri de esguelha.


Saímos do balcão e vamos em direção a Collin que nos recebe com um sorriso radioso, nem parece um pouco afetado pela situação em que se encontra. Porém, nem sempre as coisas são assim tão transparentes como as julgamos.


"Estávamos mesmo agora a falar de ti." – Evelyn dá-lhe um beijo nos lábios.


"Falar bem espero eu." – diz e ambos rimos.


"Sempre." – cumprimento-o com um beijo no rosto.


Como foi uma tarde bastante calma demo-nos ao luxo de podermos estar sentados numa mesa a conversar, aparecendo somente um ou outro cliente, porém pouco frequentemente. Como sempre Collin não falava da sua condição e preferia falar de tudo menos do seu estado de saúde e a inibição de poder trabalhar. Não deve estar a ser nada acessível para ele estar parado, principalmente quando toda a sua vida gira em torno do exercício físico, até mesmo a sua profissão. Ao fim da tarde Collin e Evelyn foram embora, ficando somente eu e Marcel a cargo do bar. Não trocamos muitas impressões, mas deu para perceber que o ambiente estava ligeiramente pesado. Ainda me debati sobre se devia ou não reconhecer o facto e dizer algo, mas acabei por desistir da ideia. Estou à procura das chaves do carro quando Zayn irrompe pelo bar com as roupas molhadas da chuva. A minha vontade de falar com ele é nula, porém tenho consciência de que passou já demasiado tempo e que tenho de ser eu a resolver este problema entre nós.

Burn2Where stories live. Discover now