De alguma forma.

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Foi mais ver que eu realmente estava indo embora, deixando ele ali. Foi digerir cada palavra que ele tenha dito, sem sentir dor. É como se naquele exato minuto, eu tivesse me tornado uma pedra. Um menina de pedra. Uma menina sem ele. Foi mais não ter me importado em ir, com aquelas palavras. Foi mais, sempre mais. E nunca mais, nós dois.

Devo ter apagado as nossas músicas e as conversas com ele, só para não cair e acabar ligando em um futuro próximo. Ele deve ter achado que eu fingia não me tocar com as palavras ou o choro dele. Mas por dentro, eu realmente não sentia. Não me importei quando ele deixou ligações perdidas ou mensagens no meu celular no dia seguinte. Não me importei quando ele disse que não estava bem. Não me importei quando pediu para que eu não voltasse.

E eu não vinha me importando até aquele dia. Ou pelo menos, achava que não me importava, até ouvir a música que tantas vezes nos descreveu. Até ouvir de uma melodia triste, as palavras que eu me recusava a dizer em voz alta. Nós havíamos acabado de repente, e pela primeira vez em anos aquela parecia ser a última vez.

Ele achou que eu não voltaria. Eu achei que ele não me receberia. Com o número dele na agenda, me perguntei diversas vezes se havia mesmo apenas esquecido de apagar, ou se já esperava por isso. Eu sempre voltava. Certo?

Não. Não, dessa vez eu voltei. Mesmo com os pontos finais, como eu poderia esquecê-lo? Eu lembrei do cheiro, do abraço. Senti falta da voz. Senti falta do jeito arrogante e do amor próprio dele. E mesmo sabendo que não devia, mandando para o inferno o quase inexistente orgulho que eu tinha, disse um oi. Talvez eu nunca tivesse criado coragem e mandado mensagem se não fosse por aquela música, que hoje ele já nem lembra o nome. Era a nossa música, e foi ela, o tempo todo. Quando a ouvi, entendi porque havia ido embora. Entendi porque a havia apagado do meu cartão de memória. Ela me trazia ele em pedaços que eram gostosos de se lembrar.

Por causa de uma letra triste, engoli o medo de encontrar a porta fechada dessa vez. Engoli o medo de não ser a mesma pessoa que conheci a alguns anos, engoli o medo de encontrar costumes diferentes. Me preparei para o pior, porque na melhor das hipóteses, ele apenas diria um adeus. O ruim mesmo seria ficar sem ele.

Acho que entendi bem o que ele me contou a respeito de noites mal dormidas e angústia. É só que o meu luto veio bem depois. Bem depois. Agora eu continuo ouvindo a nossa música, e lembrando de como as coisas eram diferentes, mas nem tanto. E ele nem lembra o nome.

- Dia par

Mesmo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora