Delírios

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São dias difíceis, e madrugadas piores. Eu espero o tempo passar, e quando ele passa, leva algumas lágrimas por diversão. E quando não, quando não as tenho em estoque, ele me tráz alguém. São nesses dias que eu sorrio, canto e danço para o relógio. Nesses dias já não sou eu, e meu sorriso não é forçado. Minha alma se joga e meu corpo obedece às ordens lunáticas da minha vontade. Eu tiro a roupa, sem vergonha, e pinto os lábios de vermelho vivo. Me sinto viva, como em tempos não havia me sentido. E claro, me preparo para o estoque que se forma na minha garganta.

O rímel borra, o cabelo fica preso em um coque e eu sem vontade nenhuma, fico assim, meio morta. Percebi que costumo viver menos do que as pessoas ao meu redor. Ou vivo do meu jeito, considerando a existência do mesmo, e claro, da minha vontade, porque afinal, ela foi o que sempre importou...

Errado!

Errado, errado, errado. Eu nunca fui eu mesma com mais ninguém. Eu não consigo mais falar. Meus pesadelos me assustam e eu acordo chorando. Me retiro dos meus lençóis frios e espero a dor no peito passar antes que todos acordem. Eu observo a chuva e tenho vontade de encher os meus pulmões com sua água gelada, que arrepia minha nuca. Ou congelar meu coração com ela. Não consigo encarar as pessoas porque sei que mesmo gritando, elas nunca irão saber os pensamentos que guerreiam em mim, vinte e quatro horas por dia. Sou um eterno conflito. Ele já me disse para parar de tentar provar para o mundo o tempo todo, e eu nunca descobri o quê. Só queria conseguir me entender. Seria mais fácil não saber sentir. Tenho inveja dos insensíveis.

Hoje eu me sinto meio comum. Não surtei, não gritei com ninguém. Não sentei no chão do banheiro e chorei um pouco do habitual. As músicas tristes ainda são minha trilha sonora, mas por gosto do que qualquer outra coisa. As acho muito bonitas, como um pouco de cor em todo o cinza das paredes. Ah é, por falar em paredes, eu continuo enchendo a minha de pedaços de jornal. Quem sabe um dia, quando a coragem não me faltar, eu termine o que comecei. E não falo somente dessa parede, em especial. Todos os dias construo novas entre mim e as pessoas, filmes e rodas de conversa. A única coisa que me liga ao mundo ainda é a poesia. É a minha janela, de onde observo a felicidade alheia. São as palavras que me fazem ter esperança, e sobre elas trilho meu caminho de encontro as estrelas, já que aqui não me resta nenhum lugar para onde ir. Desculpe e bem vindo. As coisas funcionam assim há um tempo.

- Dia ímpar

Mesmo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora