Gente grande

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Fiz o meu melhor. Gostei de melar os dedos e usar as cores que me vinham à cabeça. Mas no final de minha obra, ninguém entendia. Olhavam-me e questionavam o significado, quando este, estava exposto em minhas cores. Mas as pessoas têm sempre necessidade de explicações detalhadas. Novamente, lancei-me ao branco, esperando que já não houvesse dúvidas sobre o meu grande feito. Agora, olhavam-me como que para passar o tempo, devido ao tédio, e mandavam-me desistir do que eu poderia vir a ser. Se preocupavam com coisas que eu teria que aprender, fazer e ser (de acordo com eles), e fizeram-me esquecer do que nascera comigo, nesse desejo de retratar com cores. Se preocupavam com as coisas que chamavam de importantes. E era importante querer ser o que eles foram, para o bem de todos.

Desencorajaram-me e daí abandonei o sonho de um dia ser quem eu era. Ou poderia ter sido. Mas ainda dentro de mim, guardava meus feitos, que não agradava a eles. Tinha esperança de um dia encontrar alguém que compreendesse o que minha alma não poderia dizer. Queria que vissem com seus próprios olhos. Mas estavam sempre de olho no tempo, na casa, no carro, no valor do dolar e essas coisas que não servem pra muita coisa, mas que tem um poder estranho de fazer com que se sentissem bem.

E com o tempo, eu aprendi o que eles queriam, fiz o que faziam, fui o que já foram. Sem meus retratos em cores, aprendi a voar, como eles voavam. E sabendo um pouco de tudo, me consideravam. Eu, mantendo vivo meu primeiro sonho, lhes deixava a imaginar que aqui dentro também fosse oco. Mas jamais pude tirar de mim minhas cores, o que me entristecia. Culpa deles, de não entenderem, ou culpa minha, por não saber que eu poderia. Poderia? Sim, eu poderia! Mas não o fiz.

Com o tempo, aprendi que quando a gente anda sempre em frente, não pode mesmo ir longe. Pessoas e sonhos, como o meu, ficam para trás. O caminho toma rumos diferentes, de escolhas e escolhas que não me ensinaram a tomar. Não nos ensinam isso na escola, junto com Geografia ou Matemática. O certo é 1 + 1 e nada de resultados diferentes. Isso, não acharam importante ensinar. Dizem então apenas para que nós andemos e andemos, até que a sorte sorria para nós. Ainda continuo andando, sem chegar a lugar algum. Eles olham e sentem inveja de onde cheguei (e eu me pergunto porque, pois continuo perdido), mas continuam sorrindo e dizendo para que eu siga em frente e continue assim (o que mais tem lá na frente? Continuar assim como?), e o meu olhar confuso parece lhes fazer felizes.

Com o tempo, preciso tomar cuidado com as pedras, as pessoas e esses mesmos sonhos. Já tropecei algumas vezes. E muitas delas, tive que aprender a levantar sozinho. Pessoas que caem não são boas pessoas, eles diziam. Eu assentia, como na maior parte do tempo deles. No meu, negava constantemente essa fase pela qual devemos passar, essa, que transforma-os em pessoas sem sonhos como o meu. Mas acabei envelhecendo, não conseguindo mais ver algumas das cores nos rostos dos mais jovens. Eu não conseguia mais acreditar em sonhos, e já tendo o meu como não realizado, me contentava com os deveres que eles me davam. Talvez eu seja um pouco como eles. No fundo, apesar do medo, acabamos passando por essa fase e matando o resto dos sonhos dentro de nós.

-Dia par

Mesmo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora