Sem dia par ou ímpar

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Ele acordou de um sonho em que por um milagre, a tinha visto mais uma vez. Só uma vez antes de ir embora. Só uma vez antes de começar a sentir essa dor que nunca acaba. Então no dia de número par, daquele mês em que costumava chover, ele lembra de tudo. E sente por tudo.

Ela ria mostrando todos os dentes. Gostava de chocolate quente e girassóis. Suas roupas eram coloridas e esvoaçantes, porque ela odiava se sentir presa a algo. Era livre e ao mesmo tempo havia se prendido a ele, as suas fotos e aos quadros da sala. Ela era livre e tinha escolhido amá-lo, porque ele a fez se sentir invencível em seus braços. E ela era mesmo.

No dia de número par, ele acorda se sentindo vazio. Não tem vontade de levantar da cama e olhar no espelho aqueles mesmos olhos que ela tanto elogiou. Não tem vontade de mostrar que está errado, no fundo do poço, esperando que ela simplesmente volte e diga que tudo foi só um sonho. Não tem vontade porque dói, e ele tem que se acostumar porque ela não vai voltar. Não pode.

Ela havia dado o maior presente que ele poderia receber. Eles eram felizes. Ela fazia a comida e ele lavava a roupa, cantando. Ela ouvia as piadas dele e ria, brincando.

Ele nunca foi engraçado.
Ele nunca vai saber o que a fazia rir.

No dia de número par, do mês em que costumava chover, ele lembra de um tempo onde ela ía para o quintal sentir a água gelada de encontro ao seu corpo. Ele lembra que foi pouco, muito pouco. A felicidade não durou, não era para sempre. Eles acharam que iria ser o suficiente, pensar no hoje e talvez no amanhã. Amanhã eles também estariam juntos. Mas alguém esqueceu de contar os dias, que acabaram de uma vez, sem uma despedida. Nem mais dia par e ímpar. Sem ela.

Mesmo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora