Todo mundo é uma ilha

120 13 0
                                    

Eu sonhava em escrever livros. Viver disso. Pensava que poderia transformar tudo o que sinto nas palavras mais bonitas que alguém já viu. Nesse tempo, as pessoas olhavam para mim. Aposto que elas pensavam "É, essa daí tem futuro." Haha. Um dia, talvez tenha tido. Eu deveria ter dito tudo, desde o início...

Comecei a sentar sozinha nos bancos da escola. Ficava pensando em tudo o que aconteceu e me sentia suja. Eu nunca quis que me vissem chorar, mas acontecia uma vez ou outra, de não conseguir sufocar a tempo. Então abaixava a cabeça e cobria o rosto com o cabelo, engolindo a raiva e a vergonha. Era humilhante demonstrar qualquer sinal de fraqueza. Humilhante e assustador. Eu aumentava o volume da música e tentava me concentrar na batida, esquecendo do que havia ao redor. Contava as horas para apenas chegar em casa e parar de fingir. Parar de forçar. É claro que à essa altura eu já tinha abandonado amizades, me isolado completamente. Já tinha deixado de acreditar nas pessoas, mesmo naquelas que sempre me fizeram bem. Eu nunca consegui voltar a olhar em seus olhos. Nunca consegui lhes contar a verdade. Eu já tinha me abandonado, e elas nem mesmo notaram quando eu disse adeus. Mas me convenci de que era isso que eu queria. Aqueles abismos aumentariam a distância entre elas e minhas cicatrizes. Ninguém precisava saber.

Mas eu precisava parar de sentir dor. Precisava parar de me sentir suja o tempo todo. Parar de sentir medo.

Um dia, me olhando no espelho, eu desabei, sabe? A dor era tão visível ali! Por que ninguém via? Por que ninguém conseguia ver meus demônios? No final, alguém notaria se eu não estivesse aqui amanhã? Eu não queria atenção. Não queria que eles me vissem como uma coitadinha vulnerável, só precisava que tentassem me entender, que me ajudassem a sair do escuro. Eu já não tinha nenhum lugar para onde ir e esperava não acordar no dia seguinte.

Cortei os fios, um a um, me desconectando desse corpo. Ninguém nunca soube, talvez ninguém nunca queira saber. Eu só desejei que os pesadelos acabassem. E que eles parassem de dizer que é só uma fase, que vai passar! Gostaria de ter dito a eles que não passou da forma como eles esperavam. Mas eu cuidei disso. Era tudo mentira, desde o início. Os talhos profundos na pele eram a única coisa real, era tudo o que importava. É tudo o que importa agora. Eu sou uma ilha afastada demais para que sintam falta. Espero que vocês não se importem. A dor passou, está tudo bem.

- Dia ímpar

Mesmo em SilêncioOnde histórias criam vida. Descubra agora