Cinco - Ache que Capitu Não Traiu Bentinho

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Quarta-feira nunca foi meu dia predileto na semana. Pra falar a verdade, eu odiava quartas. Existem vários motivos para se odiar o quinto – sim, o quinto – dia da semana, mas cá estão dois: ainda faltam mais dois míseros dias para a semana acabar, e tem aula de Literatura. Nunca gostei muito dessa matéria, só quando o assunto era cultura e tal. Mas comecei a achar a aula interessante quando lemos "Dom Casmurro" no nono ano.

Por algum motivo, agora, no terceiro do ensino médio, o assunto veio à tona. Bom, ele sempre vem à tona. Eu não pude deixar de dar minha opinião depois de ver tantos comentários sem sentido sobre a questão Capitu. A famosa questão Capitu.

— Mas é claro que Capitu traiu Bentinho! — diz alguém e mais uns dez. Olho para trás incrédula. Me volto a frente, encarando o professor, que sorria ao ver seus alunos discutindo sobre um clássico.

— Mas é claro que não... — digo. O professor Duarte, como pediu para ser chamado, então me olhou, como se dissesse para que continuasse. O encaro pensando nas palavras que irei dizer para que não gagueje, como costuma acontecer quando tento me expressar.

— Por que você acha isso? — Duarte me pergunta.

— Bom, — começo, nervosa. — o livro é relatado pelo ponto de vista unicamente de Bentinho, e sabemos que ele não era lá bom da cabeça. — o professor continua me olhando. Então prossigo, limpando a garganta e respirando fundo para não pagar um tremendo micão. — Quando estamos cegos por algo, não conseguimos perceber o que está a nossa volta e acabamos formando especulações erradas sobre as coisas. Bentinho estava com algo fixo na cabeça, estava com a mente fechada. Nunca saberemos ao certo se ela traiu ou não, mas acho que Capitu foi fiel e, pela insegurança, Bentinho interpretou errado.

O professor sorri com a minha resposta e olha para a turma.

— Algum comentário? — pergunta.

— Capitu traiu Bentinho, sim. Era uma foguenta! É sempre mulher que trai, elas sempre provocam. — um garoto diz, dando soquinho de vitória com o amigo.

— Uma ova que mulher que trai. — digo. — Mulher trai. Homem trai. Todos traem. É a vida.

Eu participando de uma aula dessas? O que está acontecendo comigo?

— Homem só trai quando a mulher não o satisfaz. — o outro garoto diz.

Olho para ele da forma mais desprezível possível e eu juro, juro que por um triz, eu não subi em cima dele e arranquei seu "pinto" com as próprias mãos e joguei pela janela da sala. E eu seria muito capaz disso.

— Homem trai porque acha que pode brincar com os sentimentos das mulheres, ou de seus parceiros. Ou seja, trai porque é idiota. A mulher não tem nada a ver com o caráter do cara. — a voz ao meu lado chega aos meus ouvidos como algodão doce, se isso for possível. Apolo diz, lançando o mesmo olhar que o meu para nosso colega de turma. — Voltando ao assunto, também acho que Capitu não traiu Bentinho. Não é possível ter certeza.

Ele olha pra mim ao dizer isso, como se confirmasse que eu não era a única a achar tão sem noção a reação dos outros. Não que eu não respeitasse as opiniões alheia, mas não estava conseguindo acreditar nos argumentos usados. Apolo dá um leve sorriso, o suficiente para que suas covinhas ao lado da boca apareçam e me façam querer tocá-las só pra ver se sua pele é realmente tão macia quanto parece. Jesus, preciso me acalmar.

Está totalmente confirmado que meus colegas de classe são uns completos babacas. Alguns ainda dão risadinhas e cochichos sobre como nós estávamos errados, enquanto alguns outros - as garotas, é claro - ficam desconfortáveis. Pelo menos plantamos uma sementinha da noção na cabeça de alguns.

O Que Não Fazer Antes de Morrer (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora