Oito - Divida Um Fone

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Ele está de suéter. É azul escuro com detalhes em xadrez branco e cinza Dá para ver a gola do nosso uniforme ridículo por cima, e está incrivelmente bonito. Eu não consigo parar de espiá-lo pelo canto dos olhos. Alguém, por gentileza, bata com uma panela na minha cabeça! O professor explica alguma coisa chata de Filosofia, que aparentemente ele acha deslumbrante, já que seus olhos azuis estão brilhando.

Mesmo encostado na parede, seu cabelo está intacto. Ele estava com uma touca preta, mas foi obrigado a tirá-la. Maldito inspetor.

É incrível como a linha dos lábios dele é perfeita. Se movem para cima e para baixo conforme vai mordiscando uma caneta. Eu quero muito ser essa caneta. Namorada, Amélia, ele tem namorada!

Talvez imaginar não seja pecado.

Puxo a manga do meu casaco até que cubra meus dedos e rôo a unha do mindinho. Preciso parar de me distrair. Olho para o professor. Blá, blá, blá. Não sei diferenciar Platão de Sócrates, nem de nenhum outro pensador. Meu pai acharia uma total falta de cultura da minha parte, mas eu não ligo para o que ele pensa. E nem para o "Ser ou não ser, eis a questão". Espera, isso é de Literatura.

Samanta está fazendo uma pergunta, olho para trás e sua boca tem tanto brilho labial que parece que ela babou. Faço uma careta e Júlia ri. Ela faz um sinal para sua boca e eu confirmo com a cabeça, rindo discretamente. A ruiva é inteligente, não posso negar. Porém sua cara de nojo não me desce de maneira alguma, nem o fato dela beijar a boca do meu amigo.

— Disfarça. — levo um susto com o ar quente que chega até minha orelha. Apolo sussurra em meu ouvido. Viro-me para ele e quase que nossos narizes se tocam. Sussurro de volta um "O que?". — Isso.

Ele me entrega um papel, com uma letra disforme.

Encontre-me na biblioteca depois da aula.

Não protesto, apenas guardo o papel no bolso do casaco. Olho para o celular para checar o horário, ainda faltam vinte minutos para terminar a aula. Apesar de me esforçar para prestar atenção no que Professor Henrique diz, não consigo parar de pensar no que me esperará na biblioteca. Ele não podia ter dito isso, não comigo, não com uma pessoa ansiosa. Parece que o tempo não passa. O que será que ele quer? Não temos nenhum trabalho para fazer, nem nada. Olho de relance para ele. Seus dedos estão arrumando o cabelo para o lado, será que um dia irei tocar nesse cabelo? Deixo escapar um suspiro e Júlia me olha. Meus olhos se arregalam, olho novamente para Apolo e felizmente ele não percebeu. Eu não aguento mais essa aula, parece uma eternidade, meu Deus.

— Certo, turma? — pergunta Henrique. Todos concordam e eu vou na onda da turma, mas não faço ideia do que concordei.

O professor nos dispensa. Enquanto todos se arrumam para ir embora, Apolo se despede de Samanta e ainda antes de sair da sala, me olha. Percebo o olhar de sua namorada em mim logo em seguida, só que não me importo. Ajeito meu casaco e me despeço de Júlia, Matheus e Carlos com tanta pressa, que quase tropeço.

Sigo os corredores do colégio até encontrar uma porta azul bem grande com uma placa branca escrita: Biblioteca. Quando entro, o ar-condicionado me faz dar pulinhos de frio e imagino se o responsável por controlá-lo está com algum problema, ou algo chamado de Fogo no Rabo, porque não é possível um lugar tão gelado como esse.

Procuro Apolo por entre as estantes, mas só o encontro na última, perto dos livros avulsos. Ele está em pé, com sua bolsa de um ombro só, segurando um livro nas mãos. Quando me vê, abre um pequeno sorriso.

— Abelha.

— Você nunca vai parar de me chamar assim, vai? — digo sorrindo. Por algum motivo estou começando a gostar desse apelido.

O Que Não Fazer Antes de Morrer (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora