Dois - Seja a Única a Não Fazer Educação Física

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Talvez ele não tenha me chamado de Abelha, quem sabe Abélia? Certamente não foi Amélia. Ok, ele me chamou de Abelha. Ganhei um apelido no meu primeiro dia de aula. Eu realmente fui enviada a este planeta para sofrer.

Agradeci à Deus quando a aula terminou e eu pude correr para casa. Correr, literalmente, porque eu estava morrendo de fome e minha casa ficava a duas quadras do colégio. O ônibus estava demorando mais que o normal. Bom, normal não, pois já é um costume esse atraso. Ele estava seguindo sua rotina lenta.

Parei de correr na metade do caminho, simplesmente porque odeio atividades físicas. Isso me remete a minha primeira aula de amanhã: Educação Física.

Minha casa, na verdade, é um apartamento, ficando num condomínio com apenas dois prédios. Eles são feios e sem graça, mas assim que passo pela portaria, suspiro aliviada por finalmente estar em meu lar.

— E então, como foi? — pergunta minha mãe, com o queixo apoiado nas mãos, como uma criancinha. Seu sorriso é o mesmo das fotos dela quando pequena: os dentes da frente são um pouco maiores e afiados que os de trás, parece uma vampirinha. Ela é tão linda. E ela precisa urgentemente de um namorado, não aguento mais receber tanta atenção assim.

— Norbal. Normal.

Norbal. — ela imita minha voz, fazendo uma careta. — Pelo amor de Deus, Lia, quero detalhes!

— Querer não é poder. — digo, dando um beijo em sua bochecha e deixando minhas coisas no chão. — O que tem pra comer?

— Ovo.

— Argh! Você sabe que eu odeio ovo. Não me faça sofrer mais, sério. Não tem carne?

— Querer não é poder. — ela sorri e sai, me deixando reclamando sozinha. Abro a geladeira e ela não mentiu, havia ovo e apenas isso. Mas também havia achocolatado, o que virou meu almoço: chocolate quente em pleno calor carioca.



Meu segundo dia de aula estava prestes a começar e sorri ao perceber que fiquei entupida por apenas 24 horas, mesmo que o suficiente para ser apelidada. Como o primeiro tempo era Morte Física, fomos direto para a quadra – que era imensa e colorida demais para uma quadra de algo tão triste. Na realidade, as quadras sempre são coloridas, só que com cores normais e não as que me dão fome, como vermelho e amarelo.

Assim que entramos, os meninos foram correndo para o vestiário, enquanto algumas meninas também se trocavam e outras subiam a arquibancada. Me sento junto aos dois meninos e uma menina que se recusaram a ter de fazer alguma atividade física. Eles me receberam com sorrisos tão animados quanto a minha própria animação.

Um deles é esguio, alto e magricelo, veste um casaco enorme cinza com capuz, está com fones de ouvido, mas tira-os assim que me aproximo. A menina é uma baixinha, com os cabelos encaracolados e pretos - que nem sua pele -, batendo um pouco acima dos ombros. Ela também tira os fones, assim como o outro menino: um gordinho da minha altura, que, estranhamente, usava botas ao invés de tênis normais.

Enquanto os alunos não-sedentários vão se agrupando na quadra, o professor se aproxima de meu grupo, com o apito pendurado no pescoço e uma bola debaixo do braço. Ele é bem novo, moreno, com a blusa colada demais, mostrando seus músculos. Provavelmente se encontrava às escondidas com alguma das alunas que agora exibiam suas pernas – incrivelmente depiladas – intencionalmente no meio da quadra. Bom, pelo menos era isso que acontecia na minha outra escola. Teve processo e tudo.

— Posso saber por que vocês não estão com seus colegas? — ele perguntou, com uma voz grossa que fez arrepiar até os pêlos do meu rosto. Cada um dos três deu uma desculpa diferente, porém ele não aceitou nenhuma. Então chegou minha vez.

— Estou passando pelo período. — minto.

— Período? — ele pergunta. Era burro ou algo do tipo? Está bem, burro não é, talvez não tenha namorada, nem irmã e nem uma filha. Mantive minha cara de coitada e falei de vez.

— Estou menstruada.

Ele faz um "o" com a boca e me manda ficar sentada a aula inteira, mas longe de qualquer tipo de distração. Meus antigos colegas de sedentarismo me olham com raiva e se juntam ao grupo. Essa desculpa sempre cola.

Aparentemente, eu era a única pessoa sentada na arquibancada e a única que não faria Educação Física. O professor dividiu a turma em dois times, misturando meninos e meninas. Eles jogariam Queimado. Típico.

Em meio aos alunos do time da direita, pude ver Apolo e outra menina abraçados, mas quem se abraça prestes a começar um jogo? Ok, pelo menos eles ainda não estavam suados. A menina é até bonita, o cabelo é ruivo - não parece muito natural, na verdade - e bate no meio das costas. Tem aquele corpo padrão bonito à beça, e provavelmente é bem legal, popular e tudo mais, já que todo mundo fala com ela.

Cinco minutos após muitos "ela é ruim", "tira ele do meu time", "por que me deixaram por último?", o jogo começou. O lado de Apolo iniciou ganhando, só que aos poucos o time da esquerda foi passando os pontos e liderou.

O meu erro foi rir.

Eu estava rindo, rindo mesmo, porque a cara de Apolo ao perceber que estava perdendo era incrivelmente engraçada. Não só a dele, mas a do restante do time também. Ok, talvez tenha sido um pouco cruel da minha parte. Em frações de segundos, a bola que estava nas mãos da ruiva sumiu. De repente um baque. De repente aquela bola estava achatando meu peito, deixando sua marca pro resto da vida. Meu Deus.

Foi tão forte, que só me lembro de sentir falta de ar, com os pulmões queimando.

E tudo preto.



Teto branco. Luz branca. Moça vestida de branco. Enfermaria. Menina de cabelo vermelho. Professor. Apolo. Dor. Morri?

— Amélia? Você está bem? — meu colega me perguntou; tentava me levantar, em vão, pois fui empurrada de volta pela enfermeira para a cama nem um pouco confortável.

— Estou? — digo sem entender.

— Desculpa, Amélia! — a voz da menina ruiva não era muito agradável aos meus ouvidos, talvez aguda demais para a minha cabeça que já estava latejando. — Foi sem querer, eu estava com raiva e taquei na direção da Cris, mas ela abaixou!

Eu assenti, pois sabia que tinha sido sem querer, já que ela nem tinha notado minha presença na quadra.

— Tudo bem.

O professor fala algumas coisas das quais não escuto e depois eles saem do quarto. Apolo pede para ficar mais um pouco, porém nossa colega olha feio pra ele, puxando-o para fora. Só consigo entender um "Fique bem, Abelha" e fecho os olhos, tomando o comprimido que recebo da enfermeira.

Eu sou muito sortuda mesmo.

E esse foi apenas meu segundo dia.

O Que Não Fazer Antes de Morrer (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora