Um - Fique Resfriada no Seu Primeiro Dia

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De trezentos e sessenta e cinco dias do ano disponíveis para qualquer vontade de meus vasos sanguíneos se manifestarem, os digníssimos resolveram que seria maneiro me causar uma congestão nasal no dia seis de fevereiro. Simplesmente, meu primeiro dia de aula. Numa escola nova. No meu último ano do Ensino Médio.

Minha mãe havia me avisado para ficar longe dos cachorros de Larissa – minha melhor amiga -, mas eles estavam me pedindo para que afagasse suas barrigas peludas e os pegassem no colo. Ainda mais com aqueles olhos iguais do Gato de Botas de Shrek, como poderia dizer não?

Mas ela me avisa de muitas coisas, muitas mesmo. Como quando ela me disse para levar o guarda-chuva ontem, antes de ir pra Larissa, e eu não peguei porque Estava Fazendo Um Sol de Matar. Resultado: uma Amélia totalmente encharcada e tendo reações alérgicas por causa dos cães.

Eu deveria ouvir mais a Dona Maria.

E por este motivo, cá estou eu, encarando um espelho velho. São seis e quinze da manhã e ainda não sei como irei pronunciar meu nome para a turma nova com este nariz entupido. "Qual seu nome?", o professor irá perguntar. O meu Amélia claramente sairá como "Abélia".

Visto o uniforme ridículo que recebi devidamente passado pela minha mãe, e coloco meu All Star preto. Isso porque, segundo a coordenadora que me recebeu dias atrás, não poderia usar outra cor que não fosse branco, azul e preto. Felizmente só possuo sapatos pretos, porque basicamente só uso preto. É sério. Não que eu seja gótica ou algo do tipo, só é a melhor cor para roupas. Me deixa aparentemente mais magra e sempre agradeço à Deus e aos estilistas por isso.

Meu café da manhã se resume ao pão francês de cada dia e um copo de Nescau bem gelado e preto. Enquanto isso, meu irmão mais novo detona uma tigela de cereal Nescau balls. Ele tem dez anos e não faz ideia de como vai ficar uma bola se continuar comendo assim todo santo dia. Não o proíbo de comer, porque do jeito que as crianças estão hoje em dia, é capaz dele me mandar para a Ponte Que Partiu - se é que me entendem. Mesmo que minha mãe diga para nunca falarmos algum tipo de palavrão. E ela nos dá um bom exemplo, nunca ouvi nada do tipo saindo de sua boca.

Ele só pode estar aprendendo essas coisas na escola, mas não posso falar nada, já aprendi tanta besteira na minha. Poderia até, quem sabe, escrever um livro.

— Amélia, o que é isso? Que nojo, tira daqui. — minha mãe aponta enojada para a montanha de lenços de papel em cima da bancada.

— Estou entuída. — digo, assoando o nariz. Ela ri da minha cara. Minha mãe simplesmente ri da minha e na minha cara. Pode isso? — Bãe! — Ela me lança um olhar de "Te avisei" e consigo ler sua expressão dizendo para que eu tirasse tudo da bancada antes que a tampa da panela de pressão voasse na minha cara.

Não, ela não iria me bater, nunca fez isso. Mas sempre ameaçava fazer esses tipos de loucura.

— É! Que nojo! — repete Remo, meu irmão. Minha mãe pede pra ele ficar quieto e começa a me apressar para que não me atrasasse no meu primeiro dia.

Como se já não bastasse estar entupida.

Grupinhos. Como eu odiava grupinhos. Todos eles, com umas cinco pessoas, rindo de piadas e abraçados uns nos outros. Não que eu não tivesse o meu próprio grupinho, mas era no meu antigo colégio. Agora, eu era aluna nova no último ano do Ensino Médio – preciso dizer isso toda hora. É importante ressaltar a maluquice dos meus pais. Enfim, não tenho mais um grupo. Estou sozinha. Uma loba que perdeu sua alcateia. Uma loba perdida. Lobos não sobrevivem sozinhos por muito tempo.

Andei pelos corredores intermináveis da escola e me dei conta de que já havia me esquecido do tour que tinha feito antes de me matricular. O fato de ter que respirar pela boca já estava me deixando irritada, quando percebi que havia esquecido meu papel com os horários e a sala em que estudaria em casa. Fiquei louca de raiva. Isso não vai prestar, penso.

O Que Não Fazer Antes de Morrer (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora