Dezoito - Vá ao Museu

11.3K 1.1K 732
                                    

Ele é canhoto. Observo sua mão enquanto escreve em meu braço. Era para estarmos estudando História - para a recuperação, é claro. Mas não consigo me concentrar, então ele está desenhando uma linha do tempo em toda extensão do meu braço e antebraço. Meus pelos se eriçaram com seu primeiro toque, mas logo me acostumo a sentir sua pele na minha.

Seus dedos sobem pelo meu braço, me fazendo rir. Ele sorri de lado com minha reação.

- E é aqui, - ele acaricia meu pulso. - que estamos: manifestações, pedidos por Impeachment, feminismo, ou seja, direitos iguais. - eu sorrio.

- Eu estou te fazendo perder tempo. Obrigada.

- Ah, claro. Eu estaria muito ocupado contando quantos passos dou da cozinha para o meu quarto. - ele diz sorrindo. Estou com os olhos na sua mão, que ainda está em meu pulso. Ele segue meu olhar e a afasta rapidamente, olhando logo depois para o lado.

- Acho que vai dar o horário do ônibus. - digo.

- A turma vai chegar. Vamos pro ponto? - ele pergunta e eu concordo, arrumando minhas coisas.

Apolo insiste em levar minha mochila e acabo cedendo. Ele sorri novamente de lado e eu perco o ar. Eu quero tanto tocar nessas covinhas. E no nariz dele. E no cabelo. Eu quero sentir seu coração batendo enquanto ele me afaga em seus braços. Eu quero sentir seu cheiro de bolo sem culpa.

- Amélie. - ele diz.

- O que?

- Quê? - ele pergunta confuso, eu o olho mais confusa ainda.

- Você disse Amélie. - suas bochechas ficam vermelhas. Apolo morde os lábios, mas não me responde, mudando de assunto ao perguntar sobre meu aniversário. - Não gosto de comemorar meu aniversário.

- Você não vai me falar o dia?

- Dois de novembro. - respondo e ele levanta uma sobrancelha. - Como disse, não gosto. - ele ri.

- Não acredito que seu aniversário é daqui a quase um mês você não me contou nada.

- Não é como se eu me importasse muito com essa data. E é mais de um mês!

- Você vai fazer dezoito anos, Abelha. Cadê a animação?

- Mostre-me a animação quando você fizer dezoito anos e perceber que faltam dois para vinte, e aí dez para trinta e vinte para quarenta.

- Você é paranóica. - ele diz.

Estamos andando para o ponto de ônibus, quando ele passa o braço no meu. Ele está de braço dado comigo, isso pode ser considerado um passo a mais no patamar do nosso relacionamento? Preciso fazer uma lista urgentemente de coisas que podem significar um avanço na minha relação de amizade com Apolo.

- Eu não sou paranóica, só não acho aniversário uma coisa tão legal assim.

- Nem o fato de você poder dirigir e ser livre?

- Me fale mais sobre essa liberdade enquanto moro debaixo do teto da minha mãe, e pague um carro para eu poder dirigir. Quando você fizer isso, aí sim eu verei vantagem.

Ele ri. Nossos braços ainda estão juntos. - Nenhuma comemoraçãozinha? Se não vamos festejar sua nova primavera, vamos dar um alô aos mortos.

- Pensei que você não gostasse de cemitérios. - digo, esquivando uma sobrancelha. Ele faz o mesmo e sorri.

- Eu faço esse esforço.

- Então eu aceito. Vamos comemorar o dia dos não-vivos.

Não digo mortos, porque não gosto dessa palavra. Ela faz parte de uma lista chamada: Palavras Que Prefiro Não Dizer. Falando em listas, meu aniversário está na de coisas que odeio, junto com tartaruga e afins. Aniversário é algo que eu realmente não gosto de comemorar, porque foi no dia do meu que ouvi meus pais falando em divórcio pela primeira vez. Ninguém sabe disso e prefiro que continue assim.

O Que Não Fazer Antes de Morrer (em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora