Cristine acordou com uma leve ressaca. Virou-se por entre os lençóis de sua cama, tentando dormir mais um pouco. Em vão. Levantou-se e foi direto para o banheiro tomar um banho. A ressaca que ela sentia era mais de cigarro do que de álcool- afinal, do pouco consumido na noite anterior, apenas Champanhe Chandon entrara no organismo de Cristine. Que, por sinal, era uma mulher muito bonita. Aos 25 anos de idade, Cristine era magra, alta e tinha o cabelo castanho escuro longo e liso; o rosto fino, e a pele de um branco por falta de sol, e não por falta de cor natural; os olhos que mudavam do castanho para o verde. Para uma brasileira, Cristine achava que tinha pouca bunda - em compensação, seus seios eram naturalmente grandes, nada de silicone em cima.
Após o banho, cremes e hidrantes, Cristine saiu do banheiro com seus cabelos molhados. Foi direto para o notebook, afinal, havia uma ligação perdida de Jeff em seu Skype. Olhou o relógio marcando 1:10 da tarde. Segunda-feira. Agora, a semana se iniciava para ela de verdade. Sem trabalho, sem preocupações até quinta, quando, por volta das 8, 9 da noite, tudo recomeçava. E com o reinício, voltava a bebida, o cigarro e o pior, voltava...
- Hey there! What's up, sugar?
O rosto de Jeff apareceu na tela, interrompendo o pensamento de Cristine. Que na hora respondeu:
- Nothing much, Jeff. I just overslept... Gosh!
E o papo voltou, como sempre, ao tom que ela e ele mais gostavam - a troca de carícias, mesmo que virtuais, mostrando dois pombinhos apaixonados. Cristine não sentia algo assim desde seus, talvez, 14 anos. Além de Jeff ser bonito e ter uma conversa agradável, era dono de seu próprio nariz. Proprietário de uma loja que alugava bikes, em San Diego, na Califórnia. Àquela hora - 8 e pouco no horário do Pacífico - Jeff estava em seu escritório particular, aos fundos da loja, conectado ao seu PC e interagindo com Cristine, aquela brasileirinha que vinha mexendo com sua cabeça. Os papos dos dois rumavam, mais e mais, para a consolidação de algo maior. Jeff queria Cristine em San Diego. Ela queria também. Era preciso, de acordo com o ideal dela, juntar mais uma graninha para chegar como ela queria aos EUA. Sim, era uma decisão e tanto. Não apenas a troca de países, mas a mudança radical de vida que essa decisão inferia. A vida que ela vinha levando, na noite, teria um fim - e uma nova vida viria, ao lado de Jeff, o que fatalmente resultaria em casamento, uma possível família a se desenvolver...
Desta vez, Jeff disse ter ligado muito cedo pois, estava vendo as notícias na internet sobre o assassinato de um senador no Brasil. Cristine achou tratar-se de uma brincadeira, uma vez que Jeff era uma cara bem-humorado, todo alto astral. Mas não. Era verdade. Já no primeiro site que Cristine botou o olho, as manchetes escancaravam o medo que tomava conta dos políticos brasileiros. Ao ver o nome do alvo, José Hilário, Cristine lembrou-se que outrora havia transado com um político muito poderoso, no caso, um deputado federal. Nada que significasse algo para ela, pelo contrário; apenas que, pensou ela: "quem sabe o tal político não teria para si um fim parecido com o de José Hilário?".
Em meio aos acontecimentos que se apresentavam, Jeff havia pedido, agora com mais seriedade em sua fala, que Cristine pensasse em pedir as contas de seu trabalho para ir à San Diego. Sua casa, sua loja, tudo estava à disposição de Cristine, bastava ela fazer acontecer. Cristine via aquilo acontecendo em seu futuro, porem um pouco mais adiante. Mas, pelas linhas que ela a recém lera, a situação no Brasil tendia a só piorar. Quem sabe aquilo não era um aviso? Pensando nisso, Cris voltou a fazer perguntas para Jeff, do tipo: "Uma vez juntos, é passar uma borracha em nossos passados e vivermos um para o outro. Você concorda comigo, gatinho?" Como sempre, ela recebia a tradicional confirmação de Jeff ao outro lado da tela. Que, sentia um pouco de ciúmes de Cristine - afinal de contas, uma brasileira linda como ela, trabalhando de caixa para um nightclub, era algo que sempre despertaria o interesse de qualquer homem frequentador da casa. Ela dizia que o adicional noturno fazia toda a diferença. Que, devido à confiança que os donos da casa depositavam nela, tudo isso lhe gerava uma bela renda mensal para os padrões brasileiros. Jeff se despediu, anunciando que iria para a frente da loja receber um grupo de bikers que vinha cruzando os Estados Unidos em duas rodas. Na hora da despedida, realçou a importância de Cristine tomar uma decisão, e ir de uma vez por todas para os Estados Unidos. Ela lhe mandou um beijo e disse:
- See you later, you sweet thing!
Cristine olhou o tempo da ligação marcando 38 minutos. Pensou: "Essa foi curtinha. É um gato fofo demais esse Jeff..." e tentou focar em, quem sabe, fazer o que tinha de ser feito e comprar uma passagem para a Califórnia. Mas, a questão não era tão simples assim. Além de Cristine não ver o pai há tempos - e por consequência o seu irmão caçula, também, Cristine tinha de achar uma forma, uma maneira que fosse de contar "a real" para Jeff. Secando o seu cabelo, ela se viu dizendo tudo em inglês para o seu pretendente. E, como de costume, um aperto no peito seguido de uma cólica foi o que ela sentiu.
- Ai, Deus, me ajuda... deixa eu contar pra ele duma vez, me dá coragem... - dizia ela olhando-se no espelho, sentindo o calor do secador corar seu rosto fino.
É, realmente não seria fácil. Quanto tempo ela e Jeff estavam de rolo online? Seis meses? Era muito tempo já. Cristine deveria, desde o princípio, ter contado tudo: que ela, de quintas a domingos, se prostituía para ganhar a vida. Isso é, desde os seus dezoito anos de idade.
Ao terminar de secar seu cabelo, segurou uma vontade de chorar que vinha lá de dentro de si, e mirando seus próprios olhos no espelho, pensou "Em que porra de vida eu fui me meter. Como eu odeio isso tudo . Eu não aguento mais, mas eu não vou chorar de novo. Vou dizer pra ele se eu achar que devo dizer, e pronto. Ah... Vou matar duma vez essa Paloma de minha vidinha mundana... e ser logo 'alguém normal', uma mulher de verdade. Não uma puta de luxo, não mais..." Só de pensar em tais palavras como "puta", Cristine se arrepiava toda, como se mesmo após esse tempo todo, ela ainda sentisse calafrios por ser uma mulher que ganhava sua vida entregando o seu corpo por dinheiro, a toda uma sorte de desconhecidos.
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Fuga
Mystery / ThrillerO destino de quatro pessoas vai mudando drasticamente, ao mesmo tempo em que o país onde vivem sofre uma inédita onda de ataques terroristas.