Cabeças Pensantes

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Sobre tudo o que vinha acontecendo em seu país, Susana passara da curiosidade para a excitação, e da excitação para a preocupação.
Ao voltar do trabalho, envolta em seus pensamentos, Susana parou em um congestionamento que se formava à sua frente e trocou de estação. Um comentarista na rádio traçava o que ele imaginava ser o perfil de alguns dos supostos terroristas :
"O terrorista que tanto nos põe medo, o 'chacal' moderno, é sem dúvida alguém altamente treinado. Que já passou pelo exército, ou qualquer uma das forças armadas; ou que já foi policial, investigador, do BOPE, quem sabe? Alguém com prática de tiro, um atirador de elite, ou até um campeão de tiro em seu clube ou agremiação local; um lutador, com faixa preta em uma ou algumas artes marciais. Alguém determinado a cumprir o que quer que lhe seja imposto, alguém com um manual de sobrevivência, ou um perito em bombas, enfim, alguém dentro de um pequeno exército de 'Rambos' defendendo a sua nova lei, como exterminadores silenciosos, com um time de colaboradores-auxiliares por trás, nos bastidores da ação...".
Três buzinadas rápidas tiraram a atenção de Susana, que rapidamente arrancou com seu carro. O trânsito fluía novamente. A sua mente, não. Susana não queria continuar a pensar nisso, mas era impossível de mudar a linha de pensamento que ela agora seguia: aquele comentarista, aquela voz ali no seu rádio parecia por momentos descrever Roberto. O sentimento de excitação voltava a pairar sobre ela, mas agora aliado ao de preocupação. E mais: um sentimento de traição.
Susana chegou em casa e tratou logo de pegar sua velha agenda de contatos. Ali, ela teria uma ideia de onde, talvez com quem, o seu ex estivesse agora. Susana mirou direto no nome Ondina, coincidentemente o único que havia na letra "O". Sim, a tia Ondina. Uma senhora pra lá de simpática, fã de carteirinha de seu sobrinho e afilhado Roberto. O "Betinho", como ela o chamava desde pequeno. O telefone chamou. Outra mulher atendeu:
- Com quem quer falar?
- Com a dona Ondina, por favor.
- Quem gostaria?
- Diga que é a Susana, do Betinho. Digo, ex do Betinho...
- Susana? Ah, finalmente estou falando contigo de novo!
O silêncio de Susana acusou o golpe. Ela não havia reconhecido aquela voz feminina ao telefone.
-Elvira. A filha caçula da tia!
- Ah, oi Elvira, quanto tempo querida? Como você está...?
O papo se enrolou por pouco mais de cinco minutos, ínterim este em que Susana ficou sabendo que a a tia Ondina andava surda, que não ouvia mais nada e ainda se recusava a usar o tal aparelhinho para surdez. Até finalmente Susana perguntar à prima de Roberto:
- Elvira, o Roberto tem visitado vocês ultimamente? Digo, realmente não tive mais uma notícia dele, nada...
- O Beto teve aqui, mas foi logo que ele tinha saído daí. Almoçou com a gente, a Joana e o Cleiton estavam aqui também, todos pra falar com o Betinho. Foi bacana aquele dia.
- Ele falou se iria continuar morando por aqui, ou algo parecido Elvira? Não quero parecer intrometida, mas nós não nos vimos, sequer nos falamos desde o dia que ele saiu aqui de casa... Ando preocupada, não sei...

- Hum... Ele havia nos dito sim que, estava passando aqui no interior para visitar a gente e tal, mas ele mencionou, lembro-me bem, que ia ficar alguns meses fora, fazendo cursos, tipo de sobrevivência na selva, essas coisas que o Beto sempre gostou de fazer... Era um lugar isolado, ainda me lembro ele no ouvido da mãe falando alto "Não se preocupe tia, vou ficar bem, estou bem..." Ah, esse Betinho... só, sinceramente Susana, achei que ele tinha te contado isso. Enfim...

Susana deu mais um dedo de prosa com Elvira e desligou, antes mandando saudações para ela, sua mãe e irmãos. Em seguida, lembrou-se de Jonas e Amanda, parceiros seus em muitas jantinhas de casal, ou em saídas noturnas, todas em casal também. Pôs a mão no telefone para ligar para Amanda, mas se ressentiu que ela, que se dizia tanto sua amiga, simplesmente esquecera de Susana após a separação - daquelas pessoas que só vivem, ou só funcionam, ao lado de casados. "Hipócrita. Falsa..." pensou Susana enquanto tentava achar o número de Jonas, talvez o melhor amigo de Roberto, ao menos pelo tempo em que Susana e ele estiveram juntos.

O fato era que Roberto era filho único, e seus pais haviam falecido a um par de anos. Roberto fora adotado quando criança, e seus pais adotivos já tinham uma certa idade quando o pegaram para criar. Roberto tinha parentes, de ambos os lados, mas sua relação com eles era distante. Salvando sua tia Ondina, que ainda resistia a morar no pequeno município de onde ela e a família da falecida mãe de Roberto eram oriundas, todos os demais parentes se encontravam dispersos Brasil afora, alguns até para o exterior. E, com os quais Susana já tivera contato, não havia uma pessoa sequer que ela pudesse ligar e sentir-se à vontade para falar de tal situação...

"Ainda bem que amanhã vou no Lauro. Ele vai me dar uma luz sobre isso..."

Lauro era o psicólogo de Susana. Que, decidiu-se por tomar um banho demorado, e pensar em algo diferente, algo que não a absorvesse tanto...

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Após o banho, Susana entrou no seu chat de relacionamentos. Pela primeira vez, ela deu conversa a um médico, que já tinha mandado uma meia dúzia de convites para ela, alguns até um tanto abusados. No papo via Skype, Susana descobriu que seu nome era Jorge, e que ele estava divorciado há cerca de dois anos. Para sua surpresa, Jorge tinha uma conversa gostosa. Falava com sotaque do Rio de Janeiro, mas de forma mansinha, sem exagerar muito nos "esses" e "erres". Também não era tão abusado quanto parecia... Jorge curtia um papo mais cultural, e tinha por hábito pintar quadros em seu tempo livre; também era um atleta para sua idade - 48 - e toda virada de ano ele ia à São Paulo correr a São Silvestre.

Mas talvez o melhor dessa conversa (que chegou à 3 horas de duração) foi que por nenhum momento Jorge tocou no assunto polêmico dos atentados. Para não dizer que Susana não lembrou nenhuma vez de Roberto, num dado momento, Jorge comentou sobre quando tirou o visto americano de turista - o que fez Susana recordar quando ela e Roberto foram tirar o deles também, pouco tempo antes de tudo ir pelos ares...

Ao final da conversa, Susana finalmente aceitou sair para jantar com Jorge na próxima sexta. Sem hesitar, deu um "sim" instantâneo, o que até a fez pensar que pareceria uma mulher um tanto desesperada, daquelas que não viam um homem há um século. O que era uma meia verdade...

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PC acompanhou, se não o tempo todo, grande parte do chat  de Susana com o médico. E não gostou do que viu. Acossado por um súbito estado de nervos, pôs-se a fazer flexões ao lado de sua cama, algo que o fazia extravasar sua raiva momentânea. Ao terminar desgastantes cento e vinte flexões - uma possível quebra de recorde pessoal - PC se virou e ficou deitado ali mesmo, no chão. A primeira coisa que veio em sua mente desta vez, foi a prostituta que ele interrogara na noite anterior. De certa forma, ela era o mais perto de sexo que PC havia chegado desde o começo de tudo, do EEPR e de sua moradia em clausura com os demais membros do esquadrão. PC se imaginou tirando as mínimas roupas dela, jogando-a com força na cama e fazendo um sexo selvagem com a tal garota... PC fantasiava agarrando-a pelos cabelos, gozando sobre ela, até dentro dela...

Com estes pensamentos, PC dormiu logo em seguida. Desta forma, não havia ele mais pensado em Susana na última meia hora antes de fechar seus olhos em sono profundo...

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