Daniel

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"Puxa vida, até que enfim alguém tá fazendo alguma coisa! Meu Deus... o cara era senador... caralho, deixa eu ver essa porra!"

Daniel largou na hora a putaria-dot-com que estava assistindo e passou a ler a surpreendente notícia. De tão entretido, deixou uma cinza gigante acumular em seu cigarro. Quando se deu por conta que a cinza encostava no filtro é que Daniel movimentou sua mão lentamente até o cinzeiro para bate-la. Voltou novamente a atenção para o ocorrido. Viu algumas fotos e deixou carregando um vídeo com a reportagem. Esperou que carregasse. Nesse meio tempo, lembrou que não tinha sequer fumado direito o recém-apagado cigarro; pegou então o último do maço. Acendeu-o e olhou para a tela do computador novamente:

A PÁGINA DA INTERNET NÃO PODE SER ABERTA. VERIFIQUE SE HÁ UM PROBLEMA COM A SUA CONEXÃO.

- Um problema?!? Só se for bem no meio do teu cu! Porra de internet! Caralho! - berrou ele, em frente ao monitor.

Aí, Daniel foi verificar os cabos atrás do computador. E o modem. Aparentemente, tudo certo. Voltou a fuçar no mouse, afinal ele queria ver o que o vídeo mostraria, uma vez que assassinar um senador não era coisa do dia-a-dia. Aquilo iria dar em algo maior. Decidiu, por fim, reiniciar o computador.

POR FAVOR NÃO DESLIGUE O SEU COMPUATDOR. O WINDOWS TEM 79 ATUALIZAÇÕES A SEREM FEITAS.

- Vaca, vadia, putinha! Sua internet filha duma cachaceira, vagabunda...

BLIM BLOM. Toca a campainha. Que fica quase ao lado do computador. Daniel abre, sem espiar o olho mágico. Era dona Eleonora. Que apesar do grande nome, era uma quase anã de seus um e quarenta. Dona do lugar - um prédio de apartamentos populares com moradias de um quarto e quitinetes, localizado no subúrbio.

- Oi, Daniel. Você tava falando sozinho?

- Oi dona Eleonora, tudo bem? Não... não tava falando sozinho... ah, na real não lembro bem...

- Você viu?

- O senador? Putz, fiquei sabendo, mas tipo, o que foi aquilo, atentado?

- Sim. Mataram o José Hilário. Senador da República.

- Porra... Tô de cara.

- É. E mais: teve um acidente de carro, em que um assessor e um chefe de gabinete de outro senador morreram carbonizados. O carro explodiu, sem mais nem menos!

- Caceta!

- Nossa menino, você não tinha uma boca tão suja assim quando chegou morar aqui. Olha a minha idade!

- Desculpa dona Eleonora. Foi mal. Mas, a senhora precisa de algo...?

- Nada demais, só o dinheiro do aluguel de vocês.

- Tá, meu pai tá prometendo há dias... acho que hoje ele paga a senhora, viu? Já é dia 5?

- Sim, o desse mês eu espero também; ele já pode me pagar os dois, e acertar tudo duma vez.

- Pois é né... - Daniel ficou olhando para baixo, tentando demonstrar um misto de compaixão e de preocupação pelo atraso recorrente do aluguel dele e de seu pai. Dona Eleonora continuava impassível ali, à frente da porta, como uma estátua de pedra.

- Bom, é ... sabe, eu tenho algumas coisinhas pra fazer dona Eleonora...

- Viu menino, só pra te avisar, a Internet tá fora. Já liguei pra operadora para ver o que há. Eles falaram que talvez só volte à noite.

Daniel ficou quase sem reação. Querendo não acreditar no que tinha escutado, pensou: "Filha duma xexelenta. Mas que caralho da porra..."

- Mas quando o senhor for morar no exterior não vai ter esses problemas, né? Lá a Internet é a jato. 4P, não é Daniel?

- 4G. G de "galinha", dona Eleonora.

- Ah, eu não entendo dessas tecnologias direito... mas como eu ia dizendo, no exterior, isso quer dizer, se você conseguir um visto para entrar lá, hein Daniel...

- Ah, me dá licença dona Eleonora. Eu preciso ir ao banheiro, tô apurado, me desculpa...

BAM. Porta sutilmente, sem violência, fechada na cara de dona Eleonora. Que tratou de despistar o acontecido rapidamente, falando disfarçadamente:

- Tchau então Daniel! E não esqueçam, hein?

Virou as costas e saiu num passinho ligeiro, com suas pernas curtas. Daniel, por sua vez, olhou para o pequeno e sujo apê com um ar de desânimo. Sabia que xingar todos os palavrões do mundo não iriam resolver basicamente, coisa nenhuma. Esperar o pai pagar? Complicado. Ultimamente seu velho estava mais fundo no copo do que nunca. Toda noite o repertório tinha ou cachaça, ou vinho, ou conhaque, ou cerveja... o que pintasse, mais cigarros baratos. É. O dinheiro de seu pai, que não era lá grandes coisas, sendo usado para uma espécie de suicídio a longo, talvez médio prazo. Quase não havia mais diálogo entre os dois. Para evitar uma briga (e Daniel sabia muito bem que brigas com bêbados eram incrivelmente fáceis de acontecer), o que ele realmente queria era dar no pé dali, daquele lugar. Mas não apenas isto. Também não havia nenhum trabalho, ou faculdade, que fizesse Daniel querer continuar vivendo no Brasil. Não havia mais amor pelo seu país. E tampouco por seu pai. Havia uma meia camaradagem, os tais laços e sangue, mas... amor? Como gostar dum cara que tinha e mantinha atitudes, às vezes, desprezíveis...?

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Bem, Daniel tinha 21. A maioridade total, ou seja, um adulto aqui ou em qualquer outro lugar do mundo. Olhou para o relógio, 3 horas da tarde. Sem Internet, sem cigarros. Correu pro banho, se secou, botou sua melhor roupa e saiu, de cabelo molhado e camiseta amassada, ouvindo no fone de ouvido Revolution do White Album - música essa que parecia combinar com o atual momento - e foi direto à agência de turismo mais próxima de sua casa. Pensou que de repente conversando com alguém deste meio, ele arrumaria um jeito, uma fórmula mágica, de sumir dali de uma vez por todas. "Se tinha um momento", pensou Daniel "tinha de ser aquele".


A agência tinha vários quadros de destinos turísticos em suas paredes. O sistema central de ar condicionado aliado a dois grandes sofás tornavam o local muito confortável. Na TV, o canal a cabo de notícias trazia especialistas comentando o que representavam aqueles tipos de ataque para o atual contexto do país. Envolto em seus pensamentos, Daniel ouviu:

- Próximo!

E dirigiu-se à mesa de atendimento, onde uma mulher bonita, vestindo o blazer da agência e segurando uma caneca de café, lhe aguardava com um sorriso no rosto.








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