Fuga

O Encontro

Susana estava com o fôlego renovado. Mesmo com aquele pequeno momento de inquietude que teimava em pairar sobre sua cabeça, por outro lado, Susana agora via em Jorge uma pessoa interessante, com um bom papo e inteligente. Após o primeiro chat entre os dois, até a noite do primeiro encontro, eles se falaram todos os dias pelo computador. Susana ficou sabendo que Jorge tinha um filho morando na Austrália, e que este estava terminando sua faculdade por lá - sem interesse algum em retornar para o Brasil. Por sua vez, Susana disse a Jorge que nunca esteve em seus planos se tornar mãe, o que de imediato agradou o seu pretendente. Apenas, por razões mais do que óbvias, Susana não falou o porquê do fim de seu último relacionamento; apenas que não havia dado certo. Como acontecia quase que todos os dias.

Na noite do encontro Susana sentiu uma empolgação quase juvenil, como nos primeiros encontros românticos de sua vida. Trocou de figurino três vezes - se olhava no espelho, mas não tinha uma definição - até bater algumas selfies de frente para o espelho e pedir a opinião no grupo de Watts "das poderosas da aeróbica". Até que, unanimidade do grupo, ela acabou por vestir o vestido preto. O mais sexy, o com o maior decote dos três. Jorge não marcou touca e, pontualmente às 9 da noite, enviou à Susana a seguinte mensagem:

"Já estou aqui na frente, Su. Pode vir"

Ele à aguardava em um belo SUV alemão. Como um bom gentleman, abriu a porta do carro para ela, e tocou rumo ao restaurante que ambos haviam previamente escolhido na noite anterior.

Já nos primeiros minutos Susana conseguiu se sentir incrivelmente à vontade ao lado de Jorge. Mesmo ele estando um quê de nervoso, - afinal, desde sua separação há cerca de dois anos, Jorge tinha tido uma série de encontros que resultaram em nada - ele estava também confiante, sem ser presunçoso em nenhum momento. Susana parecia para ele uma daquelas mulheres difíceis de se encontrar em qualquer esquina; alguém que além de bonita e sexy, tinha conteúdo, e se dava ao respeito, nunca passando do ponto em um comentário ou observação.

Dentre os mais agradáveis papos que rolaram durante o jantar - entre eles cinema, música, esportes, gostos culinários, gostos pessoais - Susana apenas surpreendeu-se de não ter escutado nada sobre o mais novo atentado que acontecera há poucas horas atrás, naquele mesmo dia. Recapitulando mentalmente o seu atribulado fim de tarde, Susana havia saído da agência eram quase seis horas, pego o tradicional trânsito (que aumentava o seu tempo de volta pra casa de 15 minutos para 1 hora), para finalmente tomar seu banho, provar e trocar de roupa algumas vezes, até Jorge chegar; tudo isso em cerca de três horas. Nesse ínterim, Susana apenas escutou música - nada de notícias, nada que a fizesse perder o seu foco.

Mas, apesar de mostrar-se surpresa com a narrativa empregada por Jorge, que parecia dramatizar a história como quem conta um filme dando os indevidos spoilers, Susana ouviu a tudo atentamente e, oportunamente, não opinou nada acerca de "quem" ela acreditava estar envolvido por trás dos tais atentados. Ela apenas deu outro rumo à conversa, o que a fez de imediato esquecer do fantasma de Roberto, que insistia em atormentá-la toda vez que o dito assunto vinha à tona.

Quando o relógio apontou 11 e meia, Jorge e Susana deixaram o restaurante em direção à casa dela. Quando o carro parou em frente ao portão de sua casa, o aguardado primeiro beijo aconteceu. Ambos pareciam estar tirando um peso de seus ombros. Como quem quisesse tirar a prova real do que tinha recém acontecido, ambos concordaram em se beijar mais uma vez. E depois outra. A coisa começou a esquentar, e Jorge conduziu sua mão das coxas de Susana para a calcinha dela, sentindo-a úmida.

- Acho melhor a gente ir agora - disse Susana, retornando a mão de Jorge para o joelho dela. - Está sendo maravilhoso, mas... acho melhor eu entrar e dormir. É apenas nossa primeira noite, certo?

Jorge suspirou profundo, até dizer:

- Como você preferir, linda. Mas só não vamos deixar isso morrer. Gostei demais de ficar contigo, por toda à noite.

- Eu também! Eu só... bem, não tenho como te explicar. Lembra que eu te comentei da mostra de cinema francês?

- Claro que lembro.

- Então, o que acha de domingo a gente pegar uma sessão juntos? Já estou cansada de ir sozinha ou com as meninas da aeróbica...

- Só me diz que horas que eu te pego...

Mais um longo beijo, e cada um foi para o seu lado.

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Ao entrar em casa, Susana sentia-se bem. Em paz consigo mesma, e sem sentir qualquer culpa pelos beijos e carícias trocadas. Absolutamente tudo o que rolou, havia valido e muito à pena. Ela precisava sim repetir a dose, e logo...

Por força do hábito, Susana ligou a TV ao encostar-se na cama, e de cara, viu a notícia do novo atentado, agora narrada pelo âncora do telejornal da noite:

"Ao final da tarde de hoje, na fazenda Benelli, também conhecida por seus convidados como a 'fazenda dos prazeres', aconteceu o quarto atentado à pessoas públicas ou ligadas a cargos políticos, nos últimos dez dias. O proprietário da fazenda e vice-governador do Distrito Federal Jair Benelli, na ocasião junto do ex-governador do DF e atual deputado estadual Nélson Nobre, foram alvos de dois atiradores de elite que se encontravam dentro das dependências da própria fazenda do vice-governador. Ambos políticos estavam no salão de festas da fazenda com alguns convidados e convidadas, quando em uma fração de segundos, ambos foram alvejados na cabeça, e tiveram morte instantânea, para alvoroço dos demais convidados: os homens, assessores e funcionários dos dois políticos, e as mulheres, 'garotas de programa' que se encontravam no local. No momento de pânico, nenhum convidado reagiu contra os tiros, todos apenas tentaram se refugiar atrás de mesas ou se jogar no chão, pois havia um receio geral de que mais mortes pudessem vir a acontecer. Na fuga dos atiradores, houve troca de tiros com os seguranças da fazenda Benelli, o que resultou em mais duas vítimas e dois seguranças feridos, um deles em estado grave. Os atiradores fugiram, aparentemente ilesos, num veículo 4x4 que segundo um dos seguranças da fazenda (que preferiu não ser identificado), estava escondido até o momento da fuga na fazenda ao lado, de propriedade de um empresário do ramo de postos de gasolina. Segundo o relato do mesmo segurança, durante a troca de tiros com o grupo autor dos assassinatos, era impossível de se detectar quem eram as pessoas em fuga, uma que todas vestiam capuzes e usavam roupas pretas. A polícia ainda se encontra no local, e de agora em diante fará uma investigação completa das filmagens e da movimentação dos últimos dias na fazenda, a fim de descobrir pistas dos envolvidos em mais este sangrento atentado à soberania nacional"

Ao trocar de canal, Susana viu uma emissora mais sensacionalista tratando do mesmo tema, com a seguinte frase ao pé da tela:

"Atentado de Hoje: Pedaços dos miolos teriam caído sobre a comida dos convidados"

Foi o basta para ela desligar a TV, e tentar dormir.