Susana

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Susana parou em frente ao espelho e fitou a si mesma. Nua. Susana reparava em si uma estria aparecendo por ali, uma gordurinha localizada lá... e não se dava por satisfeita com o que via. As caminhadas, os abdominais, a aeróbica no parque... nada disso parecia ajudar nesta hora. Susana encarava-se agora, pensando que, para uma mulher de mais de quarenta, até que não haviam sinais de expressão em seu rosto. Mas faltava algo... um brilho naqueles olhos castanhos, um sorriso de alegria que dali, brotasse ao natural...

Sim, Susana sorria. Era muito quista no trabalho por sua simpatia no trato com os clientes. A funcionária que todo patrão gostaria de ter: vendia o peixe, além de ser uma mulher bonita, elegante por assim dizer. O que Susana ainda não entendia era o fato de Roberto ter se desligado dela, assim, do jeito como foi. Sem uma justificativa plausível. De maneira obscura, misteriosa. Como se Roberto escondesse um grande segredo impossível de ser contado. Por que assim, desse jeito? Esse questionamento, por mais que Susana tentasse esquecer, batia como um martelo em sua mente, já à hora em que ela acordava, ou até durante o seu sono, num sonho qualquer com a presença de Roberto.

Nos quase quatro meses desde a saída de Roberto de sua vida, Susana procurou conforto na igreja. Não querendo se enganar, pois sabia que nunca seria uma beata, Susana procurou um psicólogo. Encontrou, gostou. Começou a ir lá toda semana. Começou também a fazer uma faculdade a distância, o seu tão sonhado bacharelado em Turismo, com encontros presenciais uma vez ao mês. Voltou a ir ao cinema, num meio de semana qualquer. Às vezes com uma colega de trabalho, ou uma amiga das antigas, até sozinha Susana ia. Era uma mulher forte, que às vezes, sentia-se, bem no fundo, quase como uma criança indefesa.

A escolha de ambos por não terem filhos sempre agradou tanto à Susana, quanto a Roberto. Pareciam ser o casal ideal. Quantas e quantas vezes foram chamados de um casal bonito, casal 20, e por aí afora... Mas agora, Susana até que não acharia mal se tivesse tido ao menos um filho dessa relação. Ajudaria mais a preencher sua cabeça, suplantar talvez o vazio causado por Roberto...

A bem da verdade, faltava agora Susana abrir sua guarda, e aceitar novamente alguém em sua vida. Timidamente, Susana vinha mantendo contatos com homens pela internet, tudo ainda muito em seu início, sem flerte nenhum da parte dela - já da parte deles, não dava para dizer o mesmo. Susana, apesar de não pensar assim, era sim uma mulher atraente. Bastaria um toque, um OK qualquer, para ter homens ao seu redor. Faltava um tanto de coragem da sua parte, parecia até uma autopunição, tudo em prol de seu amor por Roberto. Amor esse que ela alimentou por onze anos... Como simplesmente passar uma borracha em tudo?

Já Roberto sempre fora um cara 100% dedicação. Havia começado a vida como policial militar, passado para a polícia civil, investigações criminais, até virar delegado. O que não durou tempo, uma que Roberto se desiludiu com as politicalhas que o cargo envolvia; insatisfeito, Roberto se desligou da polícia e passou a viver de forma autônoma, fazendo segurança privada armada. Algo que lhe dava uma boa renda, mas ao mesmo tempo oferecia alta proporção de risco para ele. Que, mantinha-se em forma, com a sua constante dedicação e perseverança. Roberto era faixa preta de caratê e quase isso no Jiu-Jitsu. Sabia atirar como poucos; os troféus de tiro ao alvo já não eram novidade na prateleira de casa. Casa essa que foi, por grande parte do relacionamento, sua e de Susana. Agora, só ela estava lá...

Quando Roberto a comunicou de sua decisão, Susana já vinha percebendo o seu homem diferente. Roberto parecia olhar ao longe, e dizia frases com um duplo sentido, deixando a ela uma impressão que tudo poderia se desmantelar. O que Susana não entendeu foram os tais "motivos pessoais" ou "de força maior" que Roberto mencionava. Segundo ele, Susana continuava sendo e seria a mulher de sua vida. Mas, algo maior precisava dele, algo em que ele não poderia entrar com mais ninguém ao seu lado. "Uma missão a ser cumprida de maneira individual, só eu e eu mesmo".

Dá para imaginar o bolo de informações que pairou sobre a cabeça dela, da hora em que Roberto proferiu essas palavras, até agora, quase quatro meses após. Susana pensou tratar-se de uma mulher, depois achou que era uma religião ou seita que havia abduzido o marido. Pensou até que fosse um homem (o que ela praticamente descartou logo em seguida), ou algum caso mal resolvido de seu passado, como num acerto de contas... e mais e mais coisas. Cada notícia que ela via ou escutava, a fazia remeter o ex-companheiro... O que estava se tornando um martírio para Susana que, queria mais era seguir sua vida, e mais importante, feliz. Aquilo precisava acabar, e sua mente já a preparava para, de uma vez por todas aceitar a mudança e viver uma nova vida.

Um fato novo não apenas chamou, como também desviou a atenção de Susana sobre o fim de sua união com Roberto: a onda de violência que começava a acontecer contra políticos brasileiros. Era o assunto ali, em seu trabalho, ou lá com as meninas que ela conversava durante sua aula de aeróbica. Em todo lugar se falava em atentados, que poderiam mudar a cara do país. Após ouvir no rádio do refeitório uma dessas notícias, Susana voltou de seu café da tarde, e percebeu um jovem aguardando para ser atendido, ali na recepção da agência onde trabalhava. Antes, apenas verificou o seu sorriso ao espelho, o batom na boca, e foi ao seu guichê, chamando:

- Próximo!

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