Fuga

O Inesperado

Ao colocar seus pés dentro do avião Roberto sentia-se, por um lado, aliviado por estar prestes a deixar o país. Mas, por outro, sentia-se frustrado consigo mesmo. Ao ouvir a voz ao microfone chamando pelo nome de Susana para embarque imediato, a sua dúvida passou a ser uma certeza: sua ex-mulher havia ido embora no momento em que ele havia saído atrás de Cristine. Como que num fio de esperança, Roberto andou dos fundos aos primeiros lugares do avião, numa vã expectativa de quiçá, encontrar Susana por ali.

Na verdade, desde o início dos ataques da EEPR, Roberto vinha vivendo dias com altíssimas doses de adrenalina - o que fazia da sua fuga particular apenas mais um desses momentos, com a pequena diferença de que ele não era mais o caçador, mas possivelmente a caça - graças a sua atitude de abandonar tudo, inclusive o seu colega de missão completamente desacordado. O que passava pela cabeça de Roberto, por entre os passageiros que se aprontavam para a viagem, era:

"Bom, acho que fiz o que podia. Avisei a Susana do perigo. Trouxe ela comigo. Como fui deixar ela escapar, assim desse jeito?? Será que o Jonas levou ela? Será que ela contou pra ele? Improvável. Agora, é tentar reservar um hotelzinho qualquer por uns dias, e começar a dar um jeito em minha vida nos Estados Unidos..."

Nessa hora, Roberto também pensou como o mundo parecia por vezes pequeno, e lembrou-se de que estava prestes a voar junto de Cristine. Divagando acerca de tudo pelo que passara nos últimos meses (as missões, o grupo, os atentados) é que Roberto tentava conectar seus pensamentos com o seu atual momento, ali, naquela aeronave.

"Se tudo o que fiz trouxer uma mudança para melhor neste país, para as pessoas que vivem aqui e dão duro todos os dias, pelo menos vou saber que fui parte ativa nesta mudança"

O primeiro assassinato, o de José Hilário, fora um momento único para Roberto. Que, quando lembrava daquele dia, se via como PC - o mesmo homem, porém usando uma outra identidade, com uma missão a cumprir, como um escolhido entre milhões de brasileiros. Por tantas vezes, Roberto ouvira da boca de várias pessoas frases como "Esses políticos...hum... tinha é que matar tudo!" ou, "pra corrupto, deveria existir pena de morte, isso sim!".  Roberto estava lá, na figura de PC, apenas como um instrumento para a mudança - o que não trazia qualquer tipo de remorso a Roberto pelas vítimas, como no caso do senador em questão, quando "PC" o assassinara à sangue frio.

As poucas horas recém passadas ao lado de Susana faziam Roberto pensar firmemente que tinha feito o certo ao deixa-la para aderir ao grupo. Para ela, Roberto virara um assassino, um terrorista. Alguém que lhe despertava medo - tanto que, ela havia fugido na única brecha deixada por ele. E Roberto sabia, agora mais ainda, que Susana tinha seu coração batendo por outro alguém que não ele. O que já não despertava mais nenhum tipo de ira em Roberto, mas sim, um profundo desapontamento.

- Senhor, os avisos de decolagem já foram dados. Por favor, dirija-se agora ao seu assento - era o que pedia a Roberto o comissário de bordo, trazendo a sua atenção de volta para o momento.

- Me desculpe. Estou indo - respondeu Roberto, dirigindo-se ao seu assento; ao passar por Cristine, ele não deixou de notá-la, dando-lhe um sorriso.

"Deve ter alguma coisa que eu ainda não sei" pensou Roberto "eu tentei ao máximo ser gentil com essa garota, mas ela parece ainda muito abatida. E se for por minha causa que ela está aqui, saindo, sei lá, fugida do país? Aí ela me encontra pegando o mesmo voo, e eu digo pra ela que estou fora de qualquer atividade terrorista. Puta merda... Se eu pudesse explicar melhor pra ela ... perguntar... Que foda!"

Roberto acomodou-se em seu assento enquanto a aeronave já se movimentava para decolar. De um lado, o assento vazio deixado por Susana, e do outro, a pequena janela que mostrava, entre algumas luzes e a escuridão da noite, um Brasil que ia ficando definitivamente para trás...