A Decisão

585 90 32
                                    

- Encarregados de manutenção? Não podia ser diferente...
OP observou, do volante do carro, enquanto PC tirava um dos macacões da mochila. A cor azul marinho, mais o tecido surrado, fazia parecer que aqueles dois ali trabalhavam com manutenção há bastante tempo.
- Antes do trevo de entrada é o posto. Fica atento, ali vestiremos isto no corpo - disse PC, notando uma etiqueta com seus codinomes, cuidadosamente colada em cada uniforme. OP, companheiro de PC na missão do dia, era o que tinha a menor estatura dos membros do time de campo, mas tudo, como sempre, havia sido preparado e estudado minuciosamente pelo time de analistas. Cada qual com seu uniforme, no tamanho certo, como tinha de ser.
- O GPS já tá me avisando aqui... O posto é logo ali na frente, PC. Você tá tranquilo, cara?
- Eu não pareço tranquilo?
- Sim, eu quero dizer, depois do tiro...
- OP, se eu tô aqui é porque tá tudo bem. Só tenho o foco no alvo, e nada mais. Entendido?
- Entendido. Vamos só fazer nosso trabalho e se mandar daqui...
A placa um tanto apagada indicava a cidade de Goiânia logo ali adiante. OP adentrou com o carro no posto, dentro do tempo previsto pela célula.

*************************************

A entrada no prédio aconteceu de forma tranquila. OP foi quem abriu a porta do pequeno apartamento, que tinha um inconfundível cheiro de imóvel fechado. Apesar de clean por dentro, haviam duas banquetas posicionadas ao lado das duas únicas janelas. PC na mesma hora sentou-se e abriu a caixa de ferramentas que carregava consigo desde que deixara o veículo, para montar o seu rifle sniper. OP sentou-se na outra banqueta, e posicionou-se com o binóculos a partir de onde ele poderia enxergar toda a movimentação em frente à Assembleia Legislativa do estado; seu fone de ouvido conectado ao celular era a sua forma de contato para com o QG, que aguardava pelas informações pertinentes a esta que seria possivelmente a mais ousada das operações do grupo: o assassinato do ministro da fazenda do governo, Heitor Vinhas.
OP começou a interagir com o QG dentro do horário combinado. PC transpirava muito, sem sair da posição de tiro. Cada um carregava consigo apenas uma garrafa de água mineral; enquanto OP já quase terminava de tomar a sua, PC sequer tocara sua água. Focado no alvo, PC, de minutos em minutos, só perguntava a hora para OP e nada mais. Seu companheiro descrevia o cenário do local via fone para o QG, usando um tom baixo de voz.
A visita do ministro na Assembleia estava marcada para às 2 horas da tarde; ali, uma homenagem seria prestada a ele, cidadão goianiense e ex-membro da casa. Seguranças à paisana já estavam no local, junto de alguns repórteres e equipes de TV que já esperavam a chegada do ministro.
- 2 horas em ponto. Alvo não chegou ao local ainda - avisava OP ao telefone, enquanto PC finalmente tirava um lenço do bolso para limpar o seu suor, que a esta altura já pingava sobre seu olho, atrapalhando inclusive, a sua mira.
O nervosismo que PC tentava (e até conseguia) mascarar, não era pelo tiro que ele levara no peito, nem pelo hematoma que insistia em coçar por debaixo de seu disfarce. O próprio atentado tampouco era a sua maior preocupação. O que invadia os seus pensamentos era "o depois".
- Atenção, alvo avistado. Carro vindo a quatrocentos metros. Preparar sniper!
- Preparado - disse PC, escutando as batidas do próprio coração. Nos segundos em que o carro ia se aproximando para deixar o ministro, uma gota de suor corria pela sobrancelha de PC, bem no caminho entre o seu olho e a mira da arma. "Não agora, não agora..." pensava PC, no momento em que a porta do luxuoso veículo oficial se abria.
- Atenção... Segurança na porta... Alvo saiu... Ordem pra atirar! - disse OP, esquecendo o tom de voz no momento de tensão.
PC apertou o gatilho, na mesma hora em que seu olho piscava pela gota de suor derramada.
- Alvo atingido! Seguir o plano de fuga, já!
Os dois homens começaram a desmontar seus equipamentos rapidamente para bater em retirada. O rebuliço estava formado em frente à Assembleia Legislativa de Goiás.

************************************
" A informação que temos, companheiros de campo, é que o ministro foi levado à UTI em estado grave. A tiro não foi na cabeça, como previsto... Possivelmente entre o ombro e o peito. Vamos torcer para que no final, aconteça como tinha de ser. Sigam a estrada e nos falamos aqui quando chegarem, companheiros. EEPR!"
OP e PC se despediram falando em coro o nome da organização. PC havia se acomodado no banco de trás do carro para a viagem de volta ao QG, na capital federal. Após a tentativa frustrada de plantar a bomba na residência do deputado Aires, há poucos dias atrás, os líderes Z e Y decidiram por "deixar de molho" os responsáveis pelo time técnico que falharam na questão do corte da energia. Havia rumores entre os membros que, se comprovado por A mais B os culpados pela falha, estes pagariam com suas vidas. OP, como piloto de fuga, só torcia para que o ministro morresse logo de uma vez, para poder seguir atuando sem problemas nas missões a que fosse designado. Durante a volta, desde Goiânia, cada viatura policial que cruzava o caminho de PC e OP, cada postinho de polícia federal ultrapassado com sucesso, era um motivo de alívio aos dois companheiros. Já chegando a Brasília, nas proximidades do terminal de Taguatinga, PC disse:
- OP, pode encostar o carro? Vou ter que vomitar, to passando mal...
- Aqui? Isso é cheio de gente essa hora...
- Cara, encosta que to mal...
- Tá, to encostando. Eles vão querer saber o porquê de...
Num rápido e preciso movimento, PC, que sentava exatamente atrás de OP, aplicou um mata leão em seu companheiro. Usando toda a sua técnica, e toda a sua força também, PC sentiu quando, após muita resistência física, OP "apagou" envolto em seus braços. Em seguida, com o cabo de sua pistola PC acertou a nuca de OP, no intuito de deixa-lo desacordado por mais tempo; por fim, PC ajeitou o seu colega no banco para que sua cabeça não caísse acidentalmente sobre a buzina do carro. Respirou fundo, olhou para fora e viu que ninguém fitava o veículo de vidros com películas fumê. A passos rápidos, PC deixou o veículo de fuga ali, para trás, para se misturar ao povo que se aglomerava ao terminal, já perto da hora do rush.

FugaOnde histórias criam vida. Descubra agora