José Hilário havia constituído um pequeno império para si. Na vida política há aproximadamente trinta anos, o atual senador da república não precisava mais trabalhar para viver. Mas seguia no poder, como muitos de seu tipo. Aquela sensação de poder o fazia sentir-se másculo, maiúsculo. Poderoso. Bem quisto por onde passava. Com uma infinidade de regalias, e com advogados do mais alto calibre trabalhando a seu favor, José Hilário iria provavelmente morrer na política - isso era o que ele mesmo pensava, o mesmo para quem o conhecia de perto.Envolvido em vários escândalos ao longo de sua vida, alguns dos quais já de domínio público - como por exemplo, o escândalo das propinas, ou os inúmeros desvios de verbas ao longo de mandatos passados - o senador ainda assim podia contar com uma generosa multidão de eleitores a cada eleição, e tinha os seus assessores treinados, que faziam tudo como o senador queria. Já com seus filhos legítimos "feitos na vida" e mantendo um casamento de trinta e poucos anos só de fachada, José Hilário só queria mesmo naquela semana era levar uma vida "mais normal", sem a tradicional importunação de sempre.
Logo que chegou ao seu luxuoso apartamento, José Hilário desfez o nó em sua gravata e preparou para si uma dose generosa de uísque escocês dezoito anos. Atravessou a ampla sala, passou pelo corredor e foi em direção à suíte, afim de tomar um demorado banho em sua jacuzzi. Não sem antes colocar ao som do home theater de seu quarto a sua coletânea favorita de Frank Sinatra. Agora sim: um banho para deixar o senador pronto para, quem sabe mais tarde, uma de suas amantes novinhas, apesar de o seu Rolex de pulso mostrar apenas cinco horas da tarde. Quando o senador acionou o botão do controle para abrir a cortina eletrônica de sua quarto, com a vista envidraçada de uma Brasília ensolarada se anunciando, de súbito a cortina cessou o seu movimento, deixando apenas uma pequena fresta de sol à mostra. José Hilário estranhou e, ao pegar o controle remoto para repetir o processo, ouviu uma voz dizer:
- Não adianta tentar.
Na hora, José Hilário por pouco não deixou cair o copo que segurava na outra mão. Seguido ao susto veio a excitação, e um tremor incontrolável que emanou do corpo do senador.
- O quê?! - perguntou José Hilário com aflição na voz.
- Aqui. - disse a voz.
José Hilário então avistou no canto esquerdo do quarto, rente ao final da grande cortina, imerso em sombras, um homem sentado, ali em sua poltrona.
- É melhor sem claridade. A que tem assim já é suficiente para eu ver você. É só o que eu preciso... - disse o vulto, num tom ponderado de voz.
José Hilário virou a cabeça para a porta, pensou em seu celular "onde estaria?" e julgou tratar-se de um assalto.
- Senta. Aí no canto da cama mesmo. E não tenta nada... - nesta hora o senador viu brilhar o que parecia ser uma pistola automática, no punho do homem sentado; que, além de estar no ponto mais escuro do quarto, trajava roupa preta e o que parecia ser uma balaclava, o que dificultava ainda mais a tarefa de enxergar o seu rosto. Resignado, apenas obedeceu.
- OK. Você tem o controle da situação. Eu vou te dar tudo o que eu puder de dinheiro. - José virou um gole grande de seu copo de uísque, tentando com isso diminuir a tremedeira. Pensou fingir-se de morto, fingir um enfarte, algo do gênero. Tudo muito rápido. Até seu pensamento ser interrompido pela voz do homem:
- Não estou aqui pelo dinheiro. Estou aqui por você.
- O quê? Como? Quem te mandou? Quem quer me matar? Não pode, isso é coisa do PSDB? Não... Ei, eu te pago o dobro do que te pagaram! - José tentava ganhar tempo e pensar em algo, algo que o livrasse desta situação. Sim, algum rival político havia arquitetado o seu assassinato! Só podia ser.
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Fuga
Mystery / ThrillerO destino de quatro pessoas vai mudando drasticamente, ao mesmo tempo em que o país onde vivem sofre uma inédita onda de ataques terroristas.