A Conversa

492 83 22
                                    

Roberto furtivamente avistou Cristine, que já havia diminuído o seu passo. Naquele momento, a impressão que Roberto tinha dela era a de uma mulher perdida, talvez sem alguma ideia ainda definida de algo . No momento em que Cristine parou, em meio às pessoas que iam e vinham com suas malas em punho, Roberto, que tinha um agasalho em mãos, parou ao lado de Cristine, encostando a ponta do dedo nas costas dela:

- Podemos conversar?

- Ah! - a expressão de susto revelava uma Cristine atônita, que parecia não atinar mais o que fazer acerca de tudo o que vinha lhe acontecendo.

- Vem me acompanhando, vamos por aqui ó... - disse Roberto, ainda com o dedo (encoberto pelo casaco) encostado nas costas de Cristine. Ao observar uma porta de serviço ligeiramente aberta, Roberto olhou para os dois lados e rapidamente entrou nela com Cristine.

Em meio à prateleiras com vassouras e materiais de limpeza diversos, havia um corredor estreito. Roberto fechou a porta passando uma chave que se encontrava fixa à porta.

- Alô? Tem alguém??

Após alguns segundos sem resposta alguma à pergunta de Roberto, ele finalmente disse:

- Acho que podemos conversar aqui. Só que tem que ser rápido.

Cristine virou-se, cara a cara com Roberto. Olhou para suas mãos desarmadas, apenas com um casaco em suas mãos. Perguntou:

- Você tá armado aqui??

- Não. Joguei minha pistola fora antes de entrar no aeroporto. Estou limpo - ao falar isto, Roberto levantou as mãos e deu um giro em frente à Cristine, para tentar provar o que acabara de dizer.

- Seu canalha filho duma puta! - Cristine, numa explosão de raiva, começou a tapear o rosto de Roberto, como se este fosse um saco de pancadas. Roberto apenas mordeu os dentes e fechou os olhos, sem levantar um dedo. Apenas sentia a fina palma da mão de Cristine a lhe bater na face, e um pouco de suas unhas compridas a lhe arranhar. Cristine bateu em Roberto até esvair-se, e ir de joelhos ao chão, bem na sua frente.

- O que você quer de mim? Eu só quero pegar aquela porra de avião em paz... Por que isso, meu Deus???

Roberto abaixou-se, colocando as mãos nos ombros de Cristine:

- E você vai pegar aquele avião. E eu também. E nada vai acontecer, com nenhum de nós. Vamos viajar e chegar ao nosso destino, numa boa. Só isso. Agora, você precisa se acalmar Cristine...

- Acalmar? O que é você? Um terrorista? Ou só um assassino de aluguel? Como vou me sentir segura num voo com alguém que, que...

- Que mata políticos? Isso? Sim, eu fiz isso. Mas acabou. Estou me mandando daqui. Largando tudo e todos. Olha bem, estou desarmado, e não tenho mais planos de fazer nada dessa natureza. É só você pensar: por acaso alguma vez atacamos civis? Não, só políticos. Eu só vou me mandar daqui, e ponto final. Não sei porque você tá indo nesse mesmo voo, também nem imaginava que você tinha um irmão, só sei que o que quero é ir embora daqui. E aquele é meu voo. Será que você consegue entender isso e... me deixar ir sem, sei lá, avisar a polícia, sem fazer um escândalo por minha causa? Se você quiser trocar de voo, por mim... só quero te dizer que não tenho nada contra você, e isso tudo é uma infeliz coincidência. Só isso, Cristine.

- Você me reconheceu antes então? Quando nos vimos mais cedo?

- Sim. É claro que reconheci.

- Por isso você não abriu a boca... É, mas não adiantou muito não...

- Você me ouviu falando e me reconheceu, não é? Pela minha voz.

- Eu nunca vou me esquecer da sua voz. Aquela noite, lá no motel... A cada dia que passava eu me lembrava da sua voz, como um disco velho que fica pulando numa parte qualquer. É um mundo pequeno mesmo... Roberto. Esse é seu nome, então?

Roberto assentiu com a cabeça, apenas fitando Cristine.

- Bom, não tenho mais nada pra te dizer. Você já descontou um pouco da raiva em mim, e sei que nunca vai me perdoar pelo que te fiz. Mas agora, vamos sair daqui, antes que alguém nos denuncie por estarmos onde não poderíamos estar. Eu vou até lá, e vou pegar esse voo. São os últimos minutos para o embarque. Você, Cristine, faça o que achar melhor mas, deixe-me sair daqui do país numa boa. Você nunca mais verá minha cara na frente, isso eu posso garantir. OK para você?

Cristine olhou pensativa para Roberto. Sua expressão ainda era um tanto enigmática aos olhos dele. Só lhe restava agora, confiar nela. Ao ficar em pé, Roberto estendeu sua mão à Cristine, que levantou-se do chão.

- Eu vou entrar nesse voo também. Tenho alguém me esperando no lugar que vou. Só espero que o que você acabou de me dizer agora seja verdade. E, que eu não precise mais falar com você. Nunca mais.

- Não vai precisar... - Roberto foi passando a mão na chave para abrir a porta - ...eu abrirei aqui rapidinho, você sai que eu deixarei a porta como a encontramos. E cada um segue daqui fazer o que tem de ser feito. Combinado?

Cristine consentiu afirmativamente com a cabeça. Num movimento rápido, Cristine deixou a sala de funcionários, já dirigindo-se ao mesmo portão de embarque onde encontrara Roberto anteriormente.Ele, por sua vez, saiu da sala caminhando e mantendo uma distância de Cristine, já tentando avistar Susana. Roberto torcia para que Jonas já tivesse saído dali, afinal, sentira-se constrangido na frente do amigo numa situação dessas, totalmente atípica. Ao chegar e ver as últimas pessoas entrando pela porta - uma delas Cristine - Roberto não viu Susana por ali. Numa fração de segundo, olhou para trás, e não a viu em meio às pessoas que iam e vinham. Puxou seu passaporte com o cartão de embarque, na expectativa de encontra-lá em algum lugar através daquela porta.

****************************************************************************************************

Daniel encostou sua pesada mala próxima à porta principal de entrada do aeroporto, na seção para fumantes. Com o fone de ouvido, ia ouvindo suas músicas e fumando cigarros. A expectativa de sua viagem o fazia, por instantes, esquecer da barbárie pela qual ele havia passado. Ainda assim, a cada pessoa de uniforme que passava à sua frente, um frio em sua barriga fazia Daniel pensar que alguém estava atrás dele. Sim, a sua história no Brasil seria manchada para sempre com isso. Todos naquele condomínio lembrariam de Daniel como o jovem que assassinou o próprio pai. Seria ele procurado no exterior? Ou considerado apenas mais um fugitivo da lei? Quando se via pensando nisso, Daniel apenas se concentrava no refrão da música que estava escutando e tentava cantá-la mentalmente, ou então, desviar sua atenção em alguma garota bonita que entrava ou saía do aeroporto. Mas, infelizmente para ele, o tempo parecia não passar. Até as seis da manhã, seria um longa espera...

Quando sua garganta já estava seca de tanto fumar, Daniel tirou o fone do ouvido e decidiu-se por comer um lanche dentro do aeroporto e, quem sabe, já ficar por lá até a hora do seu voo. Daniel não conseguiu deixar de reparar, passando à sua frente, Susana. Que falava em seu telefone celular, sequer notando Daniel bem próximo à ela:

- Jorge, mil desculpas por eu ligar essa hora... Hum? Sim, mais ou menos. Escuta: preciso que você me faça um favor daqueles. Teria como? É, estou tomando um táxi agora, mas não posso voltar pra minha casa, de jeito nenhum. Não, tudo bem. Eu estou bem, mas é que... deixa que eu te conto em detalhes, não aqui, por telefone... Tem certeza? Peraí, qual o número do teu prédio? Tá, manda, manda por mensagem. Eu não sei como te agradecer... Um beijo, você é um amor. Até daqui a pouco!

Daniel então disfarçou e virou de costas para a sua agente de turismo, adentrando novamente no aeroporto. "Que mulher maluca. O que será que aconteceu? Meu, tá todo mundo ficando doido parece..."

Ao avistar o primeiro fast food, Daniel entrou ali e tratou de pedir seu lanche.

FugaOnde histórias criam vida. Descubra agora