O E-mail

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"Acabei de embarcar, mano. Já achou qual é teu portão de embarque?" teclou Cristine em seu smartphone.

" Ainda está a confirmar. Cheguei na lanchonete comer um rango... Nem acredito que me deu fome!"

" Come e fica tranquilo, que no máximo umas duas horas antes do embarque sai o portão. Vou me ajeitar no avião, mano. Ah, manda mensagem quando tu embarcar, mesmo que eu só veja quando chegar lá. Tá? Fica tranquilo maninho e boa viagem. Nos vemos lá em Tijuana. Te amo!"

"Tá bom, boa viagem Cris. Te amo, vai com Deus!"

Ao som do toque de mensagem, Cristine sentiu um alívio ao ver na tela "Jeff_my_love lhe enviou uma Mensagem". Adentrando a aeronave, Cristine apresentou o bilhete de embarque para uma sorridente comissária de bordo lhe indicar o caminho de seu assento. Antes mesmo de sentar-se, Cristine estranhou ao ler a seguinte mensagem:

"Cris, please read your email, ASAP. Jeff"

Aquele tom não era o natural de Jeff. Ao menos não até aquele momento. Após sentar-se, Cristine verificou que faltavam cerca de quinze minutos para o avião decolar. Rapidamente abriu o seu correio eletrônico, antes que o aviso de "Modo Avião" fosse dado. Ávida para saber o que seu namorado virtual tinha a lhe dizer (após alguns dias sem receber nem um "oi" sequer dele), foi que Cristine viu o nome de Jeff em sua caixa de entrada, com o vago título "Sem Assunto". Apesar desta pequena omissão da parte dele, o conteúdo de seu e-mail não era pequeno. Que assim dizia, na devida tradução para o português:

"Cristine

Como vão as coisas por aí? De verdade, espero que você esteja bem...

Não lhe respondi antes, mas só agora - e via e-mail - porque acho que precisava de tempo para pensar o tanto que eu tinha para pensar. E te digo, Cristine, não foi fácil; não está sendo fácil.

Ao longo dos meses em que mantivemos nosso relacionamento online, trocamos figurinhas, alguns gostos e preferências, lugares de interesse... eu até, por várias vezes, olhei passagens para o Brasil sendo que, por muito pouco, não comprei uma para mim. Agora, tenho certeza que isso foi a melhor coisa que 'não fiz'. Te digo o porquê.

Dentre os vários papos que tivemos no Skype, eu não pude resistir e acabei gravando algumas dessas conversas. Sei lá, para mim essa era uma forma, quando você não estava falando de verdade comigo, de te ver ali na tela do computador... eu admirava o teu rosto, a tua voz... Isso parece até coisa de adolescente apaixonado, não? Pois é. Acabei fazendo isso algumas vezes, confesso.

E foi, revendo uma destas gravações de você, que acabei aguçando a minha curiosidade...

Um dia você atendeu o seu telefone em frente ao monitor, Cristine e, na hora, eu fiquei respondendo a algum e-mail aqui ou algo do gênero, afinal de contas não entendo uma única palavra da língua portuguesa. Quando revi esta conversa, algo me chamou a atenção: você falou, e repetiu a palavra 'Liberty' por mais de uma vez. Aquilo, de certa forma, me deixou curioso. Aí pedi a ajuda do Google, e associei a busca à sua cidade, que é Brasília. A resposta... bem, você já deve imaginar até onde eu fui levado"

Cristine interrompeu a leitura por alguns segundos. Com os olhos fechados, respirou fundo. Sequer reparou num senhor que sentava-se ao seu lado e simpaticamente lhe cumprimentava. Abrindo os olhos, decidiu-se por terminar de ler o e-mail - afinal, dali em diante nada mais poderia surpreendê-la.

"...e navegando pelas páginas da boate Liberty, quem eu vejo lá como produto de consumo masculino? Sim, ela própria: Paloma. Que é exatamente... você mesma, não é Cristine?

E então, meu mundo desabou. Vi, revi o tal site. Tentei achar que estava enganado. Mas não teve jeito. A Paloma que via ali, em poses sensuais e provocativas, aquela prostituta, era a minha namorada. A mesma pessoa que me disse trabalhar em um nightclub, mas no administrativo da casa. Que nunca mencionou que o tal nightclub era uma casa de prostituição. Achei (inocente) ser apenas uma balada qualquer. Achei também que você fosse para o trabalho para sentar em uma cadeira em frente a um computador...  e não no colo de outros homens.

Aí me lembrei, por mais de uma vez, você me dizendo: 'A hora que estivermos juntos, é passar uma borracha em nossos passados, e viver o presente...'. Agora entendo também o porquê disto. Essa era a sua tática de defesa, algo como uma carta na manga Cristine, para quando a verdade viesse à tona, num provável futuro juntos, não? Pois digo agora para você: não há chance de futuro com você. Nada. Zero.

E veja você que, nos últimos dias, pensei e repensei acerca do que fazer. Não, não foi nem um pouco fácil chegar a esta decisão. Tentei achar que isso era um pesadelo, que iria acordar no outro dia e ser, de alguma forma, desmentido disso tudo. Mas não. A verdade foi nua e crua. A verdade me devastou por completo. Pensei na hipótese de superar isto... mas não. Não mesmo.

E mesmo um pouco mais calmo agora, o que eu ainda mais sinto por você é nojo, Cristine. Não apenas quando penso nas vezes em que trocou seu corpo por sexo, por uma chupada qualquer. Mas tenho nojo de como mentiu para mim. De como elaborou uma história bem contada. De como você mesma deve sentir-se podre por dentro ao fazer o que faz todos os dias para sobreviver... Será isso mesmo, Cristine?

Eu sei que, desde que começamos  o nosso namoro virtual, eu virei às costas para toda ou qualquer mulher que possa ter se interessado por mim. E agora me arrependo imensamente disto. Deveria ter dado uma chance para que algo tivesse acontecido; hoje, talvez estaria com uma companheira de verdade ao meu lado. Não trocando vídeos com uma putinha qualquer, que é o que você é.

Bem, preciso parar por aqui. A vida tem que seguir seu caminho. Mesmo com todo desprezo que sinto por você no momento, bem no fundo, desejo que você esteja, ou que fique bem; o mesmo para o seu irmão caçula (se é que ele existe de verdade, não é Cristine?).

Deixo esse e-mail como o único canal para uma resposta, caso você ache necessário me responder; já te bloqueei do Skype, do Whatsapp e como não tenho Facebook, então... fica esse e-mail para uma possível resposta sua, caso realmente isto se faça necessário.

Foi, por um bom tempo, um prazer ter conhecido você

Jeffrey Hemmings"

Na mesma hora em que levantou o rosto e olhou para frente, Cristine avistou Roberto, o único passageiro do voo ainda em pé, sendo informado por um comissário de bordo que deveria sentar-se, afinal de contas os avisos para decolagem já haviam sido dados. Cristine fez o que pôde para segurar o choro, mas uma lágrima teimosa insistia em escorrer por sua face. Roberto, ao passar por ela, lhe mostrou pela primeira vez, um amigável sorriso em seu rosto.

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