02 - Encontros

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O gosto amargo e irritante do uísque ainda estava presente em meus lábios. Não era o que eu gostaria de estar saboreando, muito pelo contrário, eu odiava uísque, porém após a quarta garrafa e muita cara feia eu até que conseguia me contentar com o que tinha.

Ficar bêbada me custava o dobro do esforço que para um humano comum ou outras criaturas do submundo. Mais bebida do que o normal e menos tempo sobre o efeito do álcool, mas nos últimos seis meses a bebida era o que me tirava a vontade de matar, então valia a pena o esforço. Nos tornamos amigas inseparáveis.

Existem inúmeras desvantagens em ser uma vampira, ao contrário do que pensam. A sede eu diria que é a pior delas. Por mais que você tente se auto sabotar, se convencer que as veias da pessoa parada ao seu lado não estão latejando em seus ouvidos, que o cheiro que ela emana não deixa sua boca cheia d'água, uma queimação no estomago e uma dor insuportável em sua garganta, manter o controle era mais difícil do que parecia.

Por outro lado, as vantagens eram inúmeras. Eu quase podia voar, tinha uma audição muito boa, uma visão nada mal também. Velocidade, força, longevidade. Um dia, juro que consegui convencer um bêbado que tentou tirar proveito de uma mulher indefesa a se jogar de um prédio apenas olhando em seus olhos. Foi um desperdício, mas ele mereceu.

Meus ouvidos captaram passos largos no corredor, as solas dos sapatos cobertas de areia em atrito com o chão recém polido. A pessoa parou. Ouvi então a chave entrar na fechadura, a porta sendo destrancanda e observei Isabela entrar pela sala, com os cabelos presos para trás segurando nas mãos duas sacolas brancas que exalavam um cheiro gorduroso.

- Trouxe hambúrgueres. - Ela levantou as sacolas animadamente.

- Espero que o meu esteja bem malpassado, porque caso contrário você será minha refeição hoje à noite.

Isabela me lançou um olhar indicando que não havia levado minha ameaça a sério, pois ela sabia bem até demais que dentre todas as pessoas no mundo, ela era a última a quem eu faria algum mal, não importava o quão sedenta estivesse.

- Como foi o seu dia? - Ela deixou as chaves sobre a pequena mesa de madeira ao lado de porta e caminhou em direção a cozinha.

- Chato. – Respondi. – As bolsas de sangue acabaram e agora minhas garrafas de uísque... Você deve conseguir imaginar como está o meu humor.

Caminhei até ela e me apoiei no balcão para manter o equilíbrio. Poucas eram as vezes em que me sentia realmente bêbada como naquele momento, e eu apreciava bastante essa sensação, pois, de algum modo conturbado, fazia com que eu me sentisse mais normal, mais humana de certa forma.

Abri uma das sacolas, puxei o hambúrguer e uma latinha de refrigerante de dentro. Não sentia necessidade de comê-lo. Seu cheiro e sua aparência eram para mim o mesmo que nada. Poderia passar o resto da vida sem me alimentar de comida normal e não sentir fome, mas com essa minha nova dieta, esses alimentos me eram necessários para tentar enganar a minha fome.

- E o seu dia? - Perguntei após dar uma grande mordi.

- Interessante. - Isabela se sentou no banco ao meu lado. - Recebi um homem hoje na emergência com ferimentos no mínimo curiosos. - Ela me olhou de canto de olho, sem tirar sua atenção do hambúrguer gorduroso em suas mãos. - Ele estava coberto por arranhões e mordidas profundas, aparentemente causados por uma onça ou um leão.

- Não existem onças nem leões por aqui, Isabela.

- Sim eu sei, mas o mais estranho não foi isso. Pouco antes do homem sumir do hospital eu juro ter visto, de vislumbre, seus olhos se tornarem laranjas brilhosos. Foi muito rápido, mas eu tenho certeza do que vi.

Maldição de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora