20 - Conversa Franca

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Entrei em casa com uma estranha frustração estampada no rosto e fechei a porta. Sobre a mesinha ao lado havia um bilhete de Isabela me avisando que havia decidido ir trabalhar para manter sua mente ocupada e que Lucas - por algum motivo desconhecido - estava com ela sendo uma babá irritante. Lembrei-me vagamente de pedir a ele pelo telefone na noite anterior, quando Isabela ainda estava em transe, que me ajudasse a protegê-la e pelo visto ele havia cumprido sua palavra.

O celular vibrou no bolso da minha calça e eu vacilei antes de pega-lo, temia realmente que fosse Jonas ou Nicole, não estava com ânimo para lidar com nenhum dos dois naquele momento.

Na tela havia um ícone de nova mensagem. Cliquei.

Tenho algumas coisas que gostaria de conversar com você e são muito importante.

Encontre-me no hotel, mesma suíte, às oito.

Elena Muniz.

Observei a hora na tela. Faltavam quinze minutos para as oito. Bufei, mas não de raiva apenas expressando novamente minha frustração e voltei para o corredor trancando a porta.

Cheguei no Queen's cinco minutos depois, não era tão longe de onde morava e pisei realmente fundo no acelerador no caminho até lá. Correr aliviava minha mente, fosse pelas minhas próprias pernas ou dentro do meu carro.

Elena abriu a porta, ela estava diferente da última vez que a havia visto. Dessa vez estava mais despojada, usando calça jeans, uma camisa vermelha de mangas compridas e os pés descalços no chão frio. Ela me indicou uma cadeira ao fundo e ofereceu-me uma taça de vinho da qual não recusei.

- E então? - havia um brilho esquisito em seu olhar, não sabia dizer se era animação ou um tipo diferente de medo - Por que me chamou aqui?

Elena cruzou as pernas e as descruzou algumas vezes, piscou algumas outras tantas e ajeitou as sobrancelhas.

- Tenho notícias animadoras, realmente animadoras. - seus dentes brancos sorriram para mim - Sobre Louis.

Ela esperou que eu falasse alguma coisa, porém eu estava esperando receber mais informações antes de me posicionar sobre qualquer que fosse o assunto.

- O que tem ele? - perguntei.

- Temos alguns informantes, não sei se você sabe, e alguns deles estão infiltrados na Aliança. - ela deu um gole no vinho - Ontem a noite um deles me disse que Louis pode estar preso nas masmorras da sede da Irmandade.

Um jato de adrenalina correu por todo o meu corpo instantaneamente.

- Nossa! Isso é realmente... Meu Deus isso é ótimo! - minha voz soou muito mais animada do que planejei.

- Ele não sabe com certeza, não tem permissão para ir até lá, mas já é alguma coisa... Já é alguma coisa.

Refleti por algum tempo tentando entender o efeito que aquela notícia havia me causado. Louis poderia estar vivo, isso era realmente uma boa notícia, mas eu não conseguia pensar em nada muito além disso. E agora?

- E ai? - Elena me fitava ansiosa.

- O que?

- O que pretende fazer se ele estiver vivo? - ela perguntou, porém decidiu reforçar sua ideia - Você irá tentar dar a ele a liderança da Irmandade?

Respirei fundo. Não havia pensado muito seriamente nisso nos últimos tempos, para ser honesta estava me acostumando com o fato de que eu deveria comandar o submundo e até comecei a apreciar tal ideia.

- Ainda não sei realmente o que fazer. - respondi após esvaziar o conteúdo da taça que estava em minhas mãos - Não consigo nem ao menos chegar a uma conclusão sobre minha vida amorosa.

Elena sorriu. Um sorriso conhecido que já vira há algumas vidas atrás.

- O lobisomem?

Abaixei a cabeça e observei os joelhos. Eu não sabia o que sentir. Meu grande problema era não poder dizer com certeza que os sentimentos que eu possuía por Nicole eram meus ou que o que sentia por Lucas era mais do que apenas um grande afeto.

- E Nicole Regal também, correto? - Olhei para Elena abismada - Sei que vocês duas já se conhecem.

- Você por acaso pode ler mentes?

Ela gargalhou e jogou a cabeça para trás.

- Você é mais parecida com Stella do que imagina criança. - ela encheu novamente as duas taças - Ela um dia esteve prometida a Romero Mansur, um vampiro bonito e muito simpático que conhecíamos. Eu sempre soube das preferências dela pelo sexo feminino e por mais que Stella tenha conseguido firmar um relacionamento verdadeiro com Romero tudo mudou quando Nicole apareceu.

Elena bebericou um pouco do vinho e me observou, com seus olhos azuis presos nos meus.

- Ela já a amava antes mesmo de saber. Stella desistiu de seu casamento para ficar com ela. Elas estavam predestinadas, não tinha outra explicação. - Elena sorriu com uma lembrança frágil que logo lhe escapou - Elas chegaram a se casar, não algo legítimo até porque naquela época não existia tal coisa, mas algo simbólico e singelo. Elas ficaram juntas até o último dia de Stella e pelo visto o destino de vocês se cruzou novamente.

Bebi todo o vinho em poucos segundos. Casadas. Agora mesmo que eu não sabia o que pensar. Um vislumbre passou diante dos meus olhos novamente, uma grande festa em um lindo lugar. Stella e Nicole dançavam e gargalhavam em meio a tantas outras pessoas, porém aos olhos de Stella não havia mais nada e ninguém ali a não ser ela. Como ela pode não me contar sobre isso?

- Ajudou muito. - bufei - Vamos mudar de assunto.

- Sobre o que você quer falar então?

- Como vamos salvar Louis? - Elena coçou a cabeça reflexiva - Temos de tirar Dimitri de lá antes claro, mas ele é muito forte e tem vário-

- Estamos cercados de tolos! - esbravejou ela tomada por uma súbita raiva - Todos acham que Dimitri é poderoso, mas ele não é. Ele é apenas um homem cruel que roubou o trono de sua líder legítima. Ele não possui os poderes do líder da Irmandade, ele é apenas um porco imundo.

Os olhos de Elena faiscavam de ódio e de algum modo sua raiva ardeu também dentro de mim. Esse sentimento era real, pertencia a mim e a Stella. Dimitri era o responsável por ter perdido minha família e a mulher que eu amava, e também responsável por tirar de Stella sua vida. A minha vida. Essa raiva era o combustível que deveria me mover, me incentivar a agir e seria a ela a quem daria importância.

- Que poderes da Irmandade? - questionei.

- O verdadeiro líder não é escolhido ao acaso, ele é predestinado. Stella nasceu com a marca, - ela apontou para minha mão - a mesma que você carrega. Ela era a líder legítima e, portanto obteve os poderes que todos os líderes possuíam. Dimitri sempre foi um filho da puta mal informado. Duvido que ele saiba de toda a historia por trás da Irmandade.

- E quais seriam esses poderes?

- Hipnose que funciona não somente com humanos mas com vampiros também, você já deve possuir sinais dela que se intensificarão após o ritual. Stella podia sentir emoções de outras pessoas e até mesmo ler seus pensamentos, mas ela não tinha apreço por esse último, me dizia que era uma invasão de privacidade e um dia por falta de pratica ela o perdeu. Haviam outros tantos; mais força, mais velocidade, porém o mais importante é que o líder da Irmandade não pode ser morto por qualquer pedaço de madeira, apenas por...

- Uma estaca de ouro forjada pelas bruxas de Alcaleia. - as palavras fugiram pelos meus lábios - Estaca essa que Dimitri possuiu.

- Temos que planejar tudo perfeitamente e derrubar Dimitri em uma noite, não mais do que isso. Se quisermos paz você deve assumir seu posto e acabar com o tirano que um dia te matou.

Elena ficou em silêncio por alguns longos minutos. O dia do acerto de contas estava quase chegando eu sabia disso, eu sentia isso. Dimitri precisava pagar por tudo e ele iria. Eu iria tomar o que era meu de direito e consertar as atrocidades cometidas por ele.

Maldição de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora