18 - Ferida Aberta

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Isabela ouviu atentamente tudo o que eu tinha a dizer enquanto algumas tímidas lágrimas escorriam pelo meu rosto sem permissão. Ela estava sentada na cama com as costas apoiadas na cabeceira, sua aparência estava mais serena, o medo havia enfim desaparecido de seu rosto. Havia posto nela um pijama diferente daquele que usava sempre em suas folgas, esse era uma calça cinza de moletom e uma blusa também cinza e também de moletom, imaginei que ela não gostaria de fazer a conexão de um dia triste em algo que a deixava feliz.

- Você precisa por um fim nisso Aurora. - Isabela alcançou minha mão - Nós não podemos viver com medo desse jeito. Se você tem a chance de acabar de vez com Dimitri e a Aliança vá em frente. Mate todos eles, mate todos eles por nós duas.

Puxei-a para perto e envolvi meus braços em torno do seu pescoço. As lágrimas salgadas escorreram pelo meu rosto com mais urgência, um choro que estava segurando a muito tempo, que carregava não somente a dor dos acontecimentos presentes mas também de um passado que gostaria de esquecer, uma noite fria de dezembro que havia mudado o rumo da minha vida.

Isabela se soltou dos meus braços e me observou. Sob seus olhos azuis haviam fundas bolsas escuras que iriam custar a sumir. Sua pele estava mais pálida que o habitual e suas mãos ainda tremiam.

- Converse comigo. - ela disse.

Enxuguei o rosto com a ponta do lençol e balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos e as lembranças. Em horas como essa a vida de Stella surgia sobre a superfície e minhas emoções se intensificavam ainda mais. Transformavam-me em uma mulher chorona e sensível que não conseguia distinguir a origem da tristeza ou da raiva que ardia em meu peito em horas convenientes. Minhas emoções estavam todas intensificadas e era irritante.

- Sério Lola, converse comigo.

- É só que... - respirei fundo, Isabela ainda não sabia da história que eu queria lhe contar, na verdade apenas outras três pessoas além de mim tinham conhecimento sobre isso, uma eu não sabia quem era e outra estava morta, sobrando apenas Dimitri. - Há um tempo atrás, quando Lucas veio até mim pedindo por ajuda eu pude ver bem nitidamente em seus olhos que Dimitri havia tirado alguém dele, isso que me fez querer ajudá-lo com tudo isso pois eu sei como ele se sente. Hoje, depois do que aconteceu com você e de tudo o que está acontecendo na minha vida eu me pergunto se fiz a escolha certa.

- Claro que fez! Aurora você é a única pessoa certa para fazer tudo isso. - Isabela tentou sorrir - Você nasceu para isso, literalmente, se tudo o que você me contou for verdade.

- Eu sei, eu sei, mas Dimitri já tirou alguém de mim uma vez e ontem Baltazar quase matou você. Eu não sei se aguentaria mais sangue em minhas mãos, ainda mais o de alguém que eu amo Isabela.

Isabela franziu o cenho por alguns segundos.

- Dimitri tirou alguém de você? - sua cabeça pendeu para um lado - Mas você Aurora ou você Stella?

- Eu Aurora.

Ela esticou as costas e dobrou as pernas. Um calafrio me subiu a espinha ao me lembrar daquela fatídica noite anos atrás quando meu caminho cruzou o de Dimitri pela primeira vez.

- Você nunca me falou sobre isso.

- Foi há muito tempo. - disse - Antes de ter me mudado daqui pela primeira vez. Dimitri surgiu na cidade, na época morava em Campinas. Ele estava caçando Renegados e fazia coisas horríveis com aqueles que lhe negavam fidelidade. Se eu soubesse que ele estaria lá... Ele a pegou primeiro, eu sai para procurá-la e já era tarde quando percebi que havia algo errado. Foi a pior semana da minha vida.

- Nós?

- O nome dela era Laura. Nos conhecemos alguns meses depois da minha transformação. Ela era linda, simpática e extrovertida. Me ensinou tudo o que eu não sabia e precisava saber na época sobre a minha nova vida. Saímos juntas de Niterói e ficamos quase dois anos viajando pela América do Sul, conhecendo pessoas e culturas diferentes.

Engoli em seco. O rosto de Laura rondou minha mente, sua gargalhada chegou aos meus ouvidos como se ela estivesse ali presente. Seu perfume estava no ar, quase podia sentir o calor de sua pele na minha. Ela era um dos fantasmas que vinham me assombrar em horas inoportunas. Agora ela estava junto a outros tantos que eu não conhecia, bagagem que Stella trouxe a minha vida. Sentia que a perda dela nunca seria superada. Eu nunca conseguiria esquecê-la, mas pelo menos deveria vingá-la.

- O que aconteceu? - Isabela perguntou.

- Dimitri a matou. - minha garganta arranhou e a sede me incomodou - Ele a deixou ao meu lado apodrecendo por dias e eu não pude fazer nada, apenas torcer para que minha vez chegasse logo.

- Mas não chegou, você está aqui.

- É. Naquele dia alguém me salvou. Não sei quem foi, não sei o nome ou de onde surgiu, somente sei que devo tudo aquela pessoa e nunca pude nem sequer agradecer.

- Foi um anjo que surgiu em sua vida na hora certa.

- Não acredito em anjos Isa.

Isabela exibiu um sorriso que pareceu forçado em seu rosto cansado. Decidi que era melhor deixá-la descansar decentemente e de despedi após garantir que ela ficaria bem sozinha.

Uma dor forte latejou em minha cabeça e eu sai em busca de ar. Caminhei sem direção, sem prestar realmente atenção por onde estava indo ou no que estava acontecendo ao meu redor. O rosto de Laura ainda estava gravado em minha mente e ao seu lado haviam dois demônios sorrindo para mim, Dimitri e Baltazar, ameaçando todos aqueles que eu amava.

Me alimentei sozinha pela primeira vez e algumas horas depois, de volta ao centro da cidade e com a noite sobre mim, entrei pela porta de vidro do prédio a minha esquerda e subi as escadas vagarosamente. Bati três vezes na porta escura do último apartamento do terceiro andar e esperei que se abrisse após enviar a Isabela uma mensagem de texto avisando onde estaria.

- O que você faz aqui? - Nicole pareceu confusa. Estava parada diante da porta aberta usando uma camisola azul marinho - Está tudo bem com Isabela?

- Sim, ela está... Ela está ótima. - entrei e me apoiei na parede ao lado da porta agora fechada - Eu não sei porque vim parar aqui. Sai para caminhar, pegar um ar... Tem estado tão difícil Nicky, tão difícil de respirar ultimamente.

Nicole envolveu seus braços ao meu redor. Seu cabelo possuía um cheiro gostoso e familiar. Uma nostalgia ardeu em meu peito, aquele perfume conhecido me despertou um sentimento desconhecido e naquele momento, com os braços dando a volta em sua cintura eu senti. Eu sabia o que deveria fazer, sabia o que ela significava e o que eu precisava disso. Afastei-me e olhei em seus olhos verdes,tão conhecidos quanto os meus. E então eu fiz, eu a quis. Puxei-a para perto e a beijei.

Maldição de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora