31 - Poder Compartilhado

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Todos os olhos pairavam sobre mim, sem saber que Stella estava tomando conta do meu corpo enquanto torturava Baltazar sem temor para conseguir o que queria. Me sentia uma intrusa em meu próprio corpo. Me sentia dormente, como se assistisse tudo de um ângulo diferente, como se estivesse fora de mim enquanto outra pessoa tomava as rédeas da situação.

- Para onde Dimitri foi Baltazar? - o sotaque que pesava na voz de Stella era desconhecido porém ao mesmo tempo familiar - Estou começando a perder a paciência aqui.

Estando de fora consegui ver melhor o que se estendia ao redor de mim. Muitos dos que invadiram a Aliança ao meu lado ainda estavam de pé. Pude ver Nicole segurar um homem de certa idade que lutava por Dimitri pelo pescoço enquanto observava a cena e Lucas ainda em total forma de lobo parado ao meu lado. Elena estava mais ao fundo tentando conter um ferimento aberto em seu abdômen com Clara parada mais a sua frente com uma estava ensangüentada em mãos. Tânia estava próxima a entrada, esfregando suas mãos sobre um extenso ferimento no corpo de Caio que encarava o teto enquanto seus olhos perdiam o brilho.

Pelo o que eu podia ver, nossas forças haviam resistido bravamente. Haviam, porém corpos conhecidos caídos por entre os vampiros de Dimitri que não se levantariam mais, e isso fez meu estômago doer.

- Auro... Stella... Por favor... - Baltazar soluçava enquanto lágrimas falsas escorriam pelo seu rosto, deixando finalmente transparecer o covarde que vivia dentro dele - Eu não sei, ele... Ele fugiu antes mesmo de tudo começar, parece que ele sabia... Que ele sabia... Ele fu-fugiu... Eu não sei para onde ele foi eu juro. Ele possui aliados e... Ele pode estar em qualquer lugar... Eu não sei...

Senti o controle do meu corpo finalmente voltando para mim pouco a pouco. Sentia o toque da pele de Baltazar presa sob a minha e a dor quase inexistente nas dobras dos meus dedos, até que estava novamente assistindo a tudo pela minha perspectiva. Stella ainda estava ali, nadando na superfície e habitando a minha carcaça simultaneamente junto a mim.

Prendi seu pescoço sob a sola da minha bota e me agachei para olhar no fundo dos seus olhos enquanto ele engasgava. Baltazar piscou algumas vezes forçando as lágrimas a se espalharem ainda mais enquanto tentava implorar por perdão.

- Você quase matou Isabela seu filho da puta - a voz que saia pelos meus lábios alternava entre a minha voz e a de Stella até se transformar em algo novo, uma mistura das duas, algo grotesco e aterrorizante que fez alguns se afastarem de mim - Você matou Theo, você tirou inúmeras vidas inocentes só por se recusarem a se unir a sua seita, e por isso, por muito mais do que isso, você morrerá hoje Baltazar Mantovani, e também porque nós queremos muito matar você.

Baltazar sorriu por entre os soluços e o sangue que escapava dos seus lábios.

- Vocês formam uma bela dupla sabia? - Baltazar se rendeu e esticou os braços sem forças no chão - Mas você Aurora, você não tem o que é preciso para o trabalho. Você é fraca, e se Dimitri não voltar para te matar você outro irá. Você não é nada além de um rostinho bonito.

- A Irmandade é nossa. - sussurramos.

- Você acha que vai ser assim tão fácil? Você acha que pode controlar todo o submundo sem derramar sangue eu suponho. Mas você não tem a força de Dimitri, ele sempre soube o que deveria ser feito, assim como eu sei o que deve ser feito e começaria matando cada lobo imundo que ousou pisar no solo sagrado da Aliança.

- Pode falar o quanto quiser Baltazar, mas olhe ao seu redor. Você perdeu, Dimitri perdeu, e tudo isso graças a nós, graças ao meu rostinho bonito que fez um ótimo trabalho unindo inimigos seculares para lutar por uma única causa - ele rolou a cabeça para o lado e eu a puxei novamente com as mãos, apoiando meu joelho em seu peito - Não irei governar a Irmandade sozinha, pois todos e cada um deles estarão ao meu lado. Olhe bem para mim Baltazar, olhe bem no fundo dos meus olhos, pois eu serei a última coisa que você vai ver antes de morrer.

Segurei com força sua cabeça entre as minhas mãos e um grito de ódio me escapou os lábios enquanto Stella retornava para o seu canto escuro. Lucas uivou e todos ao nosso redor gritaram, urraram, rosnaram e comemoraram quando a cabeça de Baltazar rolou pelo chão de mármore com os olhos ainda abertos.

A ditadura de Dimitri havia acabado e agora uma nova era tomava início. Ainda estava em êxtase pelo grande feito que havíamos alcançado naquela noite, porém o que seria de mim quando a poeira abaixasse e eu tivesse realmente e definitivamente que carregar o submundo nas minhas costas?

Mesmo envolta em destruição, corpos e sangue, a sede da Irmandade ainda continha seu charme. A sala principal - aquela onde todos se encontravam a espera de alguma ação da minha parte - possuía duas fileiras de grandes e estreitas janelas de vidro na parede do fundo. Haviam duas duplas de pilastras de cada lado e uma escada de mármore negro, assim como o chão, que levava a uma biblioteca repleta de livros antigos. Os abajures, mesas e cadeiras que haviam espalhados pelo centro da sala estavam quase todos destruídos e ao fundo, diante de uma das fileiras de janela havia um robusto trono dourado e azul.

Caminhei até diante do trono que um dia pertencera a Stella e observei o meu legado. Diante de mim, bruxas, lobisomens, vampiros e outras criaturas do submundo se erguiam, unidos novamente após séculos. Todos eles esperavam que eu pudesse cumprir tudo aquilo que havia sido prometido por alguém antes de mim, todos esperavam poder finalmente viver em paz e parar de se esconder em um mundo que os pertencia e eu deveria fazer o certo por todos.

- Vocês lutaram bravamente essa noite, todos vocês. Hoje a noite uma nova era se inicia, daremos fim ao reinado de um tirano e iremos governar juntos o nosso mundo. - respirei fundo e dei um passo a frente - Agora falo com vocês que se opuseram a mim. Lhes darei a oportunidade de se redimir e se juntar a Irmandade agora, ou todos morreram.

Os vampiros aliados a Dimitri formavam uma fila a minha frente, todos presos pelas mãos dos lobos da Alcatéia que agora pertencia a Lucas, todos eles cuspiram no chão diante de mim e eu suspirei profundamente.

- Muito bem então.

Alcancei uma estaca caída no chão e puxei para frente um vampiro de aparência cansada, banhado em sangue e com um sorriso nos lábios. Penetrei a estaca em seu peito sem dar-lhe tempo de cuspir as palavras que estavam presas em seus lábios. Em um golpe sincronizado os lobos derrubaram os inimigos restantes sobre uma poça de sangue escuro.

Um a um, observei a todos que estavam na sala se ajoelharem diante de mim. O poder estava em minhas mãos e eu gostava dele, eu o amava e queria muito mais. Agora tudo dependia de mim, o controle estava despejado sobre os meus ombros e tudo o que faltava agora era aprender a controla-lo.

Maldição de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora