(4) - DIVISÕES ESCOLARES

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            A sala do professor Laurence estava bastante cheia e os únicos lugares que estavam vagos estavam localizados na frente, bem próxima à mesa do professor. Victoria sentou-se em uma delas rápido e me sentei ao seu lado, tentando parecer mais tranquila. Assim que terminou de organizar seus materiais, o professor começou a dizer:
          - Bem vindos a mais um ano letivo. O último de vocês, almejo. Espero não ter que reprovar ninguém por não saber a história da estátua da liberdade.
          Ouvi algumas risadas no fundo da sala. Dei um suspiro engraçado.
          - O diretor me mandou dar alguns avisos à vocês. – continuou Laurence, coçando seu enorme bigode preto. – Os laboratórios estão fechados por tempo indeterminado. Alguém resolveu que seria engraçado soltar as aranhas e agora não sabemos onde elas estão.
         Victoria olhou para trás e deu um sorriso maldoso. Seus amigos também se entreolharam com um olhar sarcástico.
         - Os testes para os times de vôlei e natação serão em algumas semanas. – prosseguiu o professor. – Os capitães de cada time estão dispostos nas respectivas salas de reuniões, onde a maioria de vocês sabe onde é.
          Quando ouvi aquilo, permaneci atenta e anotei no canto do caderno a data do teste. Victoria olhou para trás novamente e fez um gesto para a menina que estava usando a camisa do time da escola.
         Quando os avisos terminaram, o professor ligou seu slide e começou a explicar suas anotações. Senti meus olhos pesarem e, para não dormir na primeira carteira, peguei meu caderno e comecei a rabiscar algumas páginas com o objetivo de ter alguma ideia para pintura.
         Algumas pessoas da sala estavam conversando, outras dormindo, algumas lendo. Todas estavam fazendo de tudo para não prestarem atenção na aula de história que estava sendo dada. Victoria me cutucou e eu me virei para poder ouvi-la.
        - O que houve com sua testa? – ela perguntou. – Você não tinha um galo quando te conheci há alguns minutos atrás.
        Dei um sorriso sem graça e expliquei a ela o que tinha acontecido.
        - Ah, o Connor... – ela disse. – É, ele é meio desligado às vezes. Não sei como conseguiu ser capitão do time de natação.
        Após a afirmação de Victoria, entendi o porquê das costas largas de Connor. Para o capitão do time de natação, ele não parecia ser tão prepotente. Mas era interessante saber a quem eu precisava recorrer para conversar sobre o time.


         As aulas do primeiro turno chegaram ao fim e estava na hora do intervalo. Fiquei sentada em minha cadeira até que Victoria fez um sinal para que eu a seguisse. Ela pegou meu braço e me puxou para fora da sala, para o meio das pessoas no corredor.
        Comecei a esbarrar nas pessoas e disse inúmeras vezes a frase "me desculpe" por onde eu passava. Descemos os três lances de escadas rápido e fomos para o pátio.
        Perto da porta de entrada para a quadra de vôlei aberta, estavam os amigos de Victoria, os mesmos do início daquela manhã. Acompanhei seus passos, até que ela colocou sua mochila no chão e começou a conversar com eles novamente.
        - Agora posso falar com mais calma. – ela disse. – Pessoal, quero que vocês conheçam a nova integrante dessa rodinha, Hannah Collins.
        Dei um aceno sem graça para as duas pessoas que ali estavam, e elas acenaram de volta. A menina pegou uma mecha do meu cabelo e colocou ao lado do seu.
        - É dessa cor que eu quero que fique meu cabelo, Vic! – disse Judy, a loira. – Finalmente alguém com um ruivo que eu goste!
        Dei um sorriso e agradeci pelo elogio. Judy ainda conseguia ser mais animada que Victoria. Ela era a menina que usava a camisa do time de vôlei do colégio. Ela estava usando um short jeans e tênis esportivo. E apesar de seu cabelo preso, era possível ver o quanto ele era grande. Suas coxas eram bem definidas.
        - Espero que você não tenha se assustado com a história da aranha. – retomou Judy. – É a segunda vez que faço isso.
        - Os novatos desse ano parecem ser mais sociáveis em comparação com os do ano passado. – disse Georgie, o único garoto dentre as duas.
        Georgie também era ruivo. Suas sardas no rosto ressaltavam seus olhos verdes e seus lábios vermelhos. Ele era bastante alto e sua jaqueta jeans preta ajudava a realçar seu estilo.
         Apesar de me sentir um pouco deslocada diante dos amigos de Victoria, comecei a prestar atenção nas conversas. Judy não parava de rir quando se lembrava da reação dos professores ao saberem das aranhas soltas nos laboratórios, o que fazia com que Georgie revirasse os olhos, mas ainda sim risse. Aparentemente ele não aprovava a atitude, mas achava engraçada a forma como Judy recontava a história várias vezes.
         - Vic, duas pessoas já me procuraram pra saber onde você estava! – disse Judy, procurando as pessoas pela quadra. – Elas querem saber o que você exige no teste e...
          Victoria revirou os olhos e soltou um bufo. Ela encarou Judy com um olhar desconfortável, mas não deixou seu mau humor entrar na conversa. Ela estava comendo um pequeno pãozinho recheado e bebendo um suco de caixinha. Assim que terminou, disse:
          - Às vezes é um grande saco ser capitã do time de vôlei. Eu só queria deixar isso pra semana que vem e...
          - Mas você sabe que não pode, Victoria! – disse Georgie, nervoso. – Você precisa passar as informações pra eles e...
          - Olhe, resolvo isso depois. – retomou ela. – Temos coisas mais importantes para fazer agora, não é, Hannah?
          Eu estava olhando ao redor do pátio, procurando por Connor. Desde que soube que ele era o responsável pelo time de natação, quis conversar com ele sobre o teste. Passei o olho rapidamente entre as pessoas, mas não o encontrei.
         - Sim, claro... – eu disse, sem graça e sorrindo, depois de alguns segundos.
         Judy, Victoria e Georgie se entreolharam antes de me olharem novamente. Eles criaram um círculo envolta de mim, o que me deixou sem graça, mas ainda sim me senti bem recebida.
         - O que trouxe você até aqui? – perguntou Judy. – Quer dizer, não que você não seja bem vinda, é claro, mas é que ficamos curiosos no início da manhã e...
         - Você é a primeira novata que socializa com a gente. – disse Georgie. – Claro que não por opção, mas apesar de Victoria ser bem famosa por ser capitã do time de vôlei, - Georgie olhou para Victoria, que jogou o cabelo em uma espécie de pose. – nós não somos muito...
         - Normais. – disse Judy. – Como você pôde perceber, nesse círculo existe uma pessoa que gosta de causar um caos... – Judy deu um giro em torno de si e no final apontou para ela própria. - Mas o que te trouxe aqui?
         Rodei ao redor de meu corpo para encarar todos. Por fim, comecei a falar:
         - Meu pai é transferido com frequência pra todos os cantos do país. Então minha família é obrigada a ir junto. Ficamos em São Francisco nos dois últimos anos e...
         - Você é de São Francisco? – interrompeu Judy. Notei que ela parecia um pouco mais desatenta no assunto, apesar de ter feito a pergunta. – meus pais são de lá também! Dizem que é um pouco sujo...
         - Realmente... – eu disse, acenando a cabeça. – Mas estou aqui porque é um dos colégios referência em natação e...
         - Você é nadadora? – disse Victoria. – Uau! Mais uma atleta nesse grupo, enfim! Georgie, infelizmente você é o único que adora ficar sentado na frente de um computador!
         - Eu curto exercitar meu cérebro, Vic, se você não se importa... - ele disse, fechando a cara.
         Após contar mais coisas consideradas como curiosidades para o grupo, fomos andando até encontrarmos algum lugar para sentar, um lugar na qual poderíamos observar todas as pessoas do pátio. Judy sempre estava muito colada em Victoria por causa do vôlei, e era perceptível que Georgie se sentia um pouco excluído. Victoria passou um dos braços por meu pescoço e me abraçou, direcionando meu corpo para a arquibancada, na qual sentamos em uma rodinha.
      - Agora, silêncio! – disse Vic. – Vamos falar, um por um, sobre como funcionam as coisas aqui em MCHS. Não me interrompam, eu sou a anfitriã.
        Todos fizeram silêncio.
        - Naquela porta ali, - disse Judy, apontando para uma porta no canto do pátio. – é a sala dos professores. Nós costumamos chamar de "Sala da Discórdia". O nome de todos os alunos passam por ali, inclusive o nome dos novatos, os dos veteranos e principalmente o nome dos garotos dos times esportivos. É dali que saem algumas decisões que podem nos custar muito caro...
        Olhei atentamente para a pequena porta e vi alguns professores entrarem e saírem por ela. Alguns estavam segurando seus lanches; outros, seguravam grandes pacotes com papeis.
        - Aquele grupo ali, - disse Vic, apontando para um grupo de pessoas sentadas na grama. – é o grupo dos naturebas. Eles são vegetarianos, não comem nada da cantina porque acreditam que o alimento processado adicionam algum animal como "gostinho especial". São ótimos nas provas de humanas. Sempre me ajudam quando preciso de algum conteúdo. O que é sempre, porque perco muito tempo com o time ao invés de estudar pra alguma coisa.
         Olhei para o pequeno grupo que estava sentada na parte gramada. As pessoas usavam roupas largas e muito coloridas. Estavam sempre encarando uns aos outros com uma expressão zen e se acariciando.
          - Consegue enxergar aquelas meninas vestindo saias curtas e sempre se olhando no espelho da maquiagem? – disse Vic, fazendo cara de nojo. – É o grupo da Margarett. Elas tentam ser esportistas.
         - Margarett? – eu disse, fazendo uma cara de dúvida.
         - Margarett é simplesmente A Rainha de MSHS. – continuou Vic. – Ela nunca está fora de moda. Nunca! Assim que lança o último celular mais tecnológico, ela está com ele dois dias depois do lançamento. As três meninas que tão juntas à ela, - ela tentou apontar de uma forma discreta. - são o que eu prefiro chamar de cobaias. Margarett faz tudo o que quiser com elas, desde falsificar uma assinatura até fazer uma prova em seu nome. Elas estudam pela Margarett, se bobear, comem por ela também. Ainda desconfio que o pai dela ajuda alguns times do colégio a ganharem da Marquette. O time de basquete lá é incrível.
         - Mas é só uma teoria da conspiração, não é, Vic?! - interrompeu Judy.
         - Meu irmão é de lá. – eu disse, interrompendo Vic. – Ele vai fazer teste pro time de basquete.
         - Então ele deve ser excepcionalmente bom. – disse Vic. – Continuando... Ninguém aqui que você conhece gosta da Margarett. Ou seja, nós.
         Todos demos uma risada e continuamos ouvindo Vic falar sobre cada grupinho da escola. Ela disse sobre o grupo dos atletas, disse sobre o time de vôlei, na qual ela foi nomeada capitã no último ano, disse sobre os nerds que quase moram na biblioteca, disse sobre as meninas que cantam, sobre o grupo de dança, sobre o seu próprio grupo, até que ela chegou no grupo dos nadadores. Judy levantou o dedo animada e decidiu falar por ela.
         - Aquele grupo sentado em frente à quadra, - disse Judy, encarando o grupo. – é o grupo dos nadadores. Eles são do time de natação da escola, são lindos, gostosos, sempre ganham os campeonatos porque são excelentes. E são, em parte... legais. Quase legais.
         Fiquei encarando o grupo por alguns segundos até que percebi que Connor estava presente entre eles.
         - Lá está o Connor. – disse Judy, apontando para ele. – Ele você já sabe quem é. Ele é simplesmente o melhor nadador que já passou pela escola. Só não é muito bom nas matérias, mas não deixa de ser lindo, gostoso, inteligente, gente boa, engraçado, enfim... Mas...
          O grupo se entreolhou e deu uma risadinha. Fiz uma expressão de dúvida, mas ainda sim continuei prestando atenção às dicas. Assim que as risadinhas pararam, Victoria retomou sua explicação:
          - Connor namora Margarett há quase um ano. Há anos ela tenta entrar no time de natação, mas ele sabe bem separar as coisas. Ela é um desastre na piscina!
          Olhei novamente para o grupo dos nadadores e vi que Connor estava rindo bastante com os outros atletas. A maioria dos garotos eram tão altos quanto Connor e tão musculosos quanto ele. Ainda os encarando por alguns minutos, Connor se virou em nossa direção e fez um aceno discreto para mim, que respondi da mesma forma. Ele apontou para sua testa e fez um sinal positivo de dúvida. Respondi positivamente com um sorrido. Contudo, nosso cumprimento foi interrompido por vários beijos que ele estava recebendo de Margarett.

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