(15) - PAZ EM MEIO AO CAOS

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            Assim que cheguei em casa, senti que não conseguia conter os gritos. Apesar de sentir, algumas poucas vezes, a dor da luxação na perna, aquilo não me impediria de festejar e ficar extremamente feliz por ter conseguido o que eu mais queria naquele momento. Joguei minha mochila em um canto da sala e comecei a gritar de felicidade e a dançar por todos os cantos.
           Scott e minha mãe desceram pelas escadas e começaram a me encarar, enquanto eu pulava e rodopiava de alegria pela sala.
           - Você passou, não é? – perguntou Scott, ansioso pela resposta.
           - Sim! – gritei, subindo no sofá e abrindo os braços. – Você está olhando diretamente para a mais nova nadadora de MCHS!
           Minha mãe arregalou os olhos assustada e antes que ela pudesse dizer alguma coisa, desci rápido do sofá para não levar algum xingo.
           - Parabéns, Hannah! – ela disse, forçando um sorriso. – Agora, passe a prestar mais atenção antes de se jogar das plataformas.
           Senti meu sorriso esvaindo devagar do meu rosto. Me jogar das plataformas? Era isso que ela pensava que eram os meu saltos? Fala sério!
           - Vou tentar. – eu disse, pegando minha mochila do chão.
           Scott veio até mim e me deu um abraço apertado. Mesmo sendo mais novo do que eu, Scott era bem mais alto. Ele tirou meus pés do chão e me balançou no ar, sussurrando: "parabéns, praga!".
           Deixando apenas os dois na sala, subi as escadas rápido e entrei para meu quarto. Fechei a porta para evitar quaisquer desventuras futuras e tranquei a porta. A janela que dava para o quarto de Connor ainda estava fechada, assim como as cortinas de todo o quarto.
           Peguei meu telefone e coloquei uma música animada e deixei no volume máximo. Comecei a girar pelo quarto e a cantar junto com a letra, mesmo que errado, mesmo que rápido demais. Eu estava feliz o suficiente para não me importar com mais nada. Conseguir aquela vaga era o ápice de toda a minha felicidade.
           Meus pulos e minha pseudo-dança foram interrompidos por uma chamada de vídeo em meu telefone. Parei e senti uma gota de suor deslizar sob minha testa. Era Victoria.
           - Oi! – ela disse, acenando. – Comemorando?
           
- Não da forma como eu gostaria... – respondi, deitando na cama. – Minha mãe sempre dá um jeito de atrapalhar.
           Em seu quarto escuro, Victoria disse:
           - Então vamos! Posso ir até a sua casa, se você quiser e...
           
Sem pensar duas vezes e a interrompendo, eu disse:
           - Claro! Vem agora, nesse momento, não demora!
           Victoria deu um sorriso e desligou a chamada de vídeo.
           Abri as cortinas e as janelas de meu quarto, deixando a luz entrar e o vento correr pelo ambiente. A janela de Connor também estava aberta, mas aparentemente não havia ninguém ali.
           Minha euforia e felicidade pela aprovação no teste eram tantas que não parei para refletir sobre o abraço público e apertado que Connor me dera quando o treinador anunciou que eu havia preenchido a vaga.
           Seu corpo quente em contato com meu corpo molhado me fez arrepiar e me deixara ainda mais feliz, se é que era possível. Eu me encostei na parede e me lembrei da sensação de ganhar o abraço mais sincero e esperado enquanto eu fazia a prova. Mas segundos depois, essa sensação acolhedora fora tomada por um olhar frio e insensível de Margarett, que, deduzia eu, estava prestes a não deixar aquilo passar batido.
           Meu estado de transe e reflexão fora interrompido por uma voz grossa e masculina, vinda de fora do quarto.
           - Como vai a mais nova nadadora do meu time? – disse Connor, debruçado em sua janela. Seus cabelos estavam molhados.
           Novamente, senti meu coração bater mais rápido e minhas mãos suarem. Tentei manter a posição firme e cheguei mais perto da minha janela.

           "Nadadora do time de Connor", pensei comigo, feliz, antes de qualquer coisa.
           - Feliz. – eu disse, um pouco tímida, mas firme. – Muito feliz. Extremamente feliz...
           Connor deu um sorriso sincero e suas covinhas apareceram. O vento em seus cabelos molhados o deixavam ainda mais charmoso.
           - Também fiquei muito feliz por você ter conseguido... – disse Connor, olhando para as plantas embaixo de nós. – Quer dizer, todos nós ficamos! Seus saltos com certeza vão matar a Marquette de raiva!
           Todo o desconforto (e talvez raiva) que eu havia sentido por Connor devido a festa na casa de McLagen simplesmente sumiram depois que nos abraçamos no final do meu teste. Nada mais importava naquele momento.
           - Daqui algumas semanas, vamos ter nosso primeiro campeonato contra Marquette. – disse Connor. – Dependendo do resultado, vamos para as estaduais! É claro que com você nós vamos para as estaduais, Hannah...
           Dei um sorriso e encarei Connor. Ele estava mais bonito naquele dia em específico.
           Ouvi a campainha tocar e fui despertada de nossa conversa.
           - Deve ser a Vic... – eu disse, apontando para baixo. – Bom, a gente se vê no...
           - Espera. – disse Connor, olhando para trás e verificando se não havia ninguém nos ouvindo. – Você vai estar acordada até tarde, não é? Podemos conversar?
           Senti minhas bochechas queimarem novamente. Assenti rápido com a cabeça e dei um sorriso sem mostrar os dentes. Connor fez o mesmo e fechou sua janela, assim como eu.
           Quando saí do quarto, me deparei com Victoria subindo as escadas. Ela estava usando um short de lycra e uma blusa de alcinha preta. Meu irmão estava no final da escada, olhando absurdamente para sua bunda. Dei uma risada e mostrei meu dedo do meio para ele, que retribuiu da mesma forma. Peguei o braço de Victoria e puxei para dentro de meu quarto. Ela se sentou em uma das poltronas ao lado da janela e eu fechei a porta novamente.
            - Seu irmão é bem alto, hein! – ela disse, olhando ao redor do meu quarto.
            - É isso que se espera de um jogador de basquete, não? – respondi descontraída.
            Victoria cruzou as pernas e os braços e me encarou. Deu um sorriso sarcástico e olhou para a janela que dava para o quarto de Connor. Ela fez um olhar esnobe e um bico com os lábios.
             - Senhorita Hannah Collins, minha cara colega esportista, - disse ela, imitando algum jurado ou pessoa mesquinha. – qual a sensação de estar no mesmo time do cara que você quer beijar há tempos?!
             Dei um sorriso sem graça e me sentei na cama. Cruzei as pernas e comecei a morder os lábios sem perceber.
             - Minha cara senhorita Victoria, - comecei a dizer, imitando o seu sotaque. – a sensação é de extrema satisfação. Mas infelizmente esses lábios tão desejados serão meus somente nos meus sonhos mais profundos e inéditos.
             Victoria deu uma risada verdadeira. Desde o acontecido na festa, eu não a vi sorrindo e aquela era a primeira vez.
             - Depois daquele abraço, eu não duvidaria de mais nada... – disse Victoria. – Não vejo ele rodopiar a Margarett daquele jeito há algum tempo.
             Instantaneamente, relembrei o momento em que saí da piscina e fui surpreendida pelo abraço de Connor. Balancei a cabeça e tentei mudar de assunto. Eu não queria pensar em possibilidades impossíveis entre mim e Connor. Ele não se lembrava da minha declaração e muito menos desistiria da sua bolsa de estudos. Imaginar algo entre nós era como imaginar o inferno congelado.
             Victoria ficou me encarando por alguns segundos e seu sorriso feliz e espontâneo havia sumido. No lugar dele, uma expressão séria e desanimada. Por algumas horas, pudemos esquecer o que havia acontecido na festa de McLagen, mas novamente nos lembrados do que Margarett havia feito.
             - Ela não vai parar de falar com você, Vic. – eu disse, saindo da cama e me sentando na poltrona ao lado da poltrona onde Victoria estava sentada.
             - É o que espero depois de anos de amizade. – ela disse, olhando para a piscina através da janela.
             Peguei a mão de Victoria, que estava gelada, mas macia. Apertei-a com força e ela retribuiu. Ficamos ali sentadas, em silêncio, por algum tempo, olhando o céu escuro abraçar o pôr do sol alaranjado no céu. Não havia nuvens naquele fim de tarde. Tudo estava claro e radiante para mim. E eu tentaria de todas as formas fazer com que Victoria sentisse que seu céu também estava limpo.


              Após Victoria ir embora, deitei em minha cama e cochilei por algumas horas. Fui acordada pelo vento forte e frio que estava pela janela. Olhei para o relógio e vi que eram quase meia noite. Fui até o corredor do segundo andar e verifiquei se todos estavam dormindo em seus quartos. O primeiro andar estava escuro, o que indicava que eu tinha razão.
              Voltei para meu quarto e tranquei a porta. Entrei no banheiro e liguei o chuveiro, a água bastante quente. Deixei que ela caísse em minhas costas e em meu rosto. Meu corpo tenso e ansioso relaxou um pouco e respirei fundo.
              Vesti uma blusa azul escura com alguns desenhos abstratos, um short de seda preto e coloquei minhas meias compridas e listradas. Arrumei meus cabelos e passei o perfume que eu passava de costume. Connor poderia aparecer a qualquer momento e eu precisava manter a calma.
               Respirei fundo e peguei meus pincéis e minha aquarela. Fui até o cavalete e comecei a desenhar os traços finos de um tronco. Fechei os olhos e imaginei uma árvore bastante florida. O pincel desliava sob a tela branca e pude sentir meu corpo relaxar um pouco mais. Pintar era uma das minhas terapias favoritas.
               - É um belo começo para uma árvore. – disse Connor, em sua janela. Seus cabelos já estavam secos e ele usava uma blusa de frio cinza. Coloquei os pinceis em cima da mesa de canto e fui até a janela para recebê-lo.
               Antes mesmo que eu pudesse chegar até a janela, Connor já estava se preparando para pular e entrar em meu quarto da forma mais silenciosa possível.
               Quando ele finalmente colocou os pés no chão de madeira, ele se sentou no chão e encostou as costas em minha cama. Fiz o mesmo e ficamos lado a lado, mas não tão próximos um do outro.
               - Ficou frio. – eu disse, quebrando o silêncio e esfregando minhas mãos umas nas outras.
               Connor pegou uma de minhas mãos e entrelaçou seus dedos nos meus. Suas mãos eram macias e quentes. Ali eu entendi porque Margarett segurava as mãos de Connor o tempo todo. Dei um sorriso sem graça e tímido, aproximando-me dele.
               - Estou muito animado para as estudais, Han. – disse Connor, apertando minha mão. – Mas Raymond pega pesado nesses treinos. Ele é insuportavelmente perfeccionista.
               - Eu sou insuportavelmente perfeccionista. – eu disse, debochando.
               Connor deu um sorriso e ainda segurando minha mão, disse:
               - Eu quis dizer que talvez você precise treinar um pouco mais que todos do time, já que ele parece esperar mais de você do que de todo mundo.
               Assenti com a cabeça. Eu sabia que era verdade, que eu precisaria treinar mais. Mas não fiquei assustada com aquilo. Nadar, para mim, era um enorme prazer.
                - Isso não vai ser problema. – eu disse, olhando para fora da janela. – Eu posso nadar em casa e no col...
                - Posso treinar você, se quiser. – ele me interrompeu.
                Soltei um suspiro de surpresa. Meu coração estava prestes a explodir de emoção e ânimo. Eu queria abraça-lo e agradecê-lo, mas me lembrei novamente do que acontecera na festa.
                Connor e Margarett ainda estavam juntos e não havia nada que eu me sentia à vontade para fazer.
                Voltei novamente para meu corpo e virei para ele, dizendo:
                - Claro...
                Connor colocou sua cabeça em meu colo e esticou o corpo no chão. Coloquei minha mão em seus cabelos macios e comecei a acaricia-los. Minha respiração pesada, mas ao mesmo tempo tranquila, estava começando a ficar aparente.
                - Margarett não precisa saber. – ele disse, sério. – E tudo bem. Eu só devo a ela uma maleta de meias.
                Dei um sorriso ao lembrar do nosso código. Connor estava extremamente tranquilo e em paz. Sua respiração estava lenta e seu coração, calmo. Ainda acariciando seus cabelos, ele pegou minha mão livre e começou a brincar com meus dedos. Estávamos em silêncio, mas eu sentia que aquele momento não precisava de falas ou combinados. Nossos encontros só aconteciam.
                 - Vamos deixar isso acontecer... – ele disse, baixinho, enquanto eu ainda passava minha mão sob seus cabelos.
                 - É... – eu disse, fechando meus olhos.

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