No dia do baile, acordei cedo apesar de não ter aula. Mas daquela vez, não acordei pelo sol ou por algum despertador. Fui acordada por um bate-boca violento que estava vindo do quarto dos meus pais. Ainda com os olhos pesados e incomodados pela luz que vinha da janela, fui devagar até o corredor para tentar ouvir a discussão. Quando cheguei perto da porta, coloquei o ouvido o mais próximo possível para tentar ouvir alguma coisa, embora não fosse difícil.
- Não consigo, Charles. – disse minha mãe. Sua voz estava amedrontada mas ainda sim com raiva. – Não posso...
- Sim, você pode! – disse meu pai, interrompendo-a. – Você pode tratá-la melhor, Lauren! Você fez isso durante toda a vida dela, por que não pode continuar fazendo?
Os dois ficaram em silêncio, mas não por muito tempo.
- Antes era mais fácil, quando ela era mais nova. – continuou minha mãe. – Mas agora está cada vez mais parecida com...
- Ela não está parecida com ninguém além de mim, Lauren! – disse meu pai, interrompendo-a novamente. – Ela é minha filha! Como você pode tratar alguém que amo dessa forma?!
Que raios meu pai queria dizer com "minha filha"? Aquela conversa estava ficando cada vez mais confusa e mais perturbadora.
- Não importa. – disse minha mãe, dando os ombros. – Uma hora vou acabar dando a cara à tapa e você não terá como segurar essa bomba.
Resolvi sair de perto daquela porta para não ouvir mais do que deveria. Eu sabia que deveria ter ficado, mas aquele não era o fim de semana certo para que uma discussão dos meus pais atrapalhasse. Um pedaço de mim queria saber sobre o que eles estavam conversando, apesar da minha cabeça deduzir milhares de ideias sobre aquilo. Mas o outro pedaço queria continuar sem saber de nada. Há tempos as coisas não davam tão certo quanto aquela época e eu sabia que merecia, pelo menos, um fim de semana de sossego.
Fui até o banheiro e joguei uma água gelada no rosto para me enganar que precisava manter os olhos abertos. Olhei no espelho e comecei a analisar meu nariz, meus lábios e meus olhos. Meus olhos claros eram, de fato, herança do meu pai. Nossos narizes não eram muito parecidos, mas ainda sim tinham algum por cento de semelhança. Eu balancei a cabeça negativamente várias vezes. Não. Eu precisava tirar aquela ideia louca da cabeça. Aqueles eram meus pais e pronto.
Caminhei para meu quarto e coloquei meu maiô preto. Eu iria para a piscina, mas não para treinar. Naquele dia, eu só queria tomar um sol e manter minha mente esvaziada. Tentei focar meus pensamentos no baile daquela noite e no campeonato. Victoria contava comigo, Connor contava comigo. E não seria uma discussãozinha boba que iria atrapalhar meu desempenho. Entrei na piscina e comecei a nadar voltas. Soltei meu corpo na água e deixei meu corpo ser levado para onde quer que seja.
- Como está a água? – perguntou meu pai, amistoso.
- Ótima. – respondi, feliz.
"Aquele é meu pai", repeti para mim mesma.
- Tem muito tempo que você está acordada? – ele perguntou, demonstrando calma e agindo como se a discussão não tivesse existido.
- Não muito. – respondi, ainda boiando.
"Sim, eu ouvi a discussão."
"Sim, eu sei que vocês estão escondendo algo."
"Foco, Hannah! Foco!"
- Victoria está na sala. – ele disse, caminhando para a cozinha. – Vou dizer a ela que você está esperando aqui.
Soltei um suspiro de alívio quando ele saiu do jardim e fiquei mais tranquila por Victoria estar ali. Ela seria uma ótima companhia e distração. Saí da piscina e ela se sentou ao meu lado na borda. Ela também estava com seu maiô, o que mostrava que ela tinha ido preparada para relaxarmos. Victoria jogou sua bola de vôlei dentro da piscina e colocou os pés na água, dando um pequeno gemido ao sua pele contatar com a água gelada.
- Achei que seria bom passarmos o dia juntas antes do baile. – ela disse, me dando um abraço rápido. – Eu já agradeci você por irmos juntas?
- Já. – eu disse, de bom humor. – Umas dez vezes.
Ela sorriu e entrou dentro da piscina, espirrando água para todos os lados. Não querendo ficar de fora, pulei e me juntei a ela, pegando a bola que ela havia jogado na água. Começamos a jogar a bola uma para a outra. A todo hora, eu me forçava a focar naquele momento, me esforçando ao máximo para esquecer o que tinha ouvido da conversa dos meus pais.
- Você acha que vai ser bom? – perguntei, enquanto sacava a bola para ela. Meus saques eram tortos e Victoria ria.
- Claro! – ela disse, sacando a bola com perfeição. – A música é de bom gosto e a comida não é aquela gororoba que comemos no almoço.
Nós duas rimos e ficamos ali, lançando a bola de um lado para o outro, absortas em nossos pensamentos e em nossas especulações para aquela noite. Victoria, apesar de sua relação confusa com Judy, estava se esforçando bastante para que aquele dia saísse perfeito e eu não deixaria de fazer o mesmo. Ela não se deixava magoar por aquilo depois de um tempo, demonstrando o quão forte ela vinha sendo; sempre afastava seus pensamentos negativos sobre o acontecido e usava sua força como meio de continuar seguindo.
E a força de Victoria naquele momento estava me fortalecendo.
Meu pai deixou eu e Victoria o mais perto possível da porta do colégio para não andarmos muito com os saltos altos. Havia uma fileira de carros deixando as pessoas naquela região, todas indo para o mesmo lugar que nós: a quadra do colégio.
Meu vestido era simples mas ainda sim bonito. Era todo preto e tinha um corpete brilhante que ia até a cintura, deixando a saia, não curta e não longa, balançar quando eu me mexia. O tule ainda estava tão preservado que não parecia que o vestido estava guardado há tempo no armário. Victoria tinha feito minha maquiagem e pela primeira vez em muito tempo eu estava me sentindo verdadeiramente bonita.
Nós duas demos o braço uma para outra e caminhamos juntas para a quadra, seguindo aquela aglomeração de pessoas arrumadas e muito bem perfumadas. Victoria estava usando um vestido alaranjado um pouco mais longo que o meu, com mangas e um laço próximo ao pescoço. Apesar de não ter volume, ele era muito bonito e realçava a cor preta de seus cabelos.
- Não existem palavras que possam demonstrar o quanto sou grata por você ter vindo comigo. – ela disse, enquanto mostrávamos nossa carteirinha de identificação para o segurança na porta.
- Não é um favor. – respondi, enquanto começávamos a andar até a quadra. – Sua companhia é maravilhosa.
Ela deu um sorriso e passou seu braço em torno do meu ombro e assim fomos, abraçadas, para dentro da quadra.
A quadra estava iluminada com luzes amareladas e pequenas, que por sua vez trançavam por cima de nossas cabeças. Haviam panos brancos e prateados sob a parede e o teto, que passavam a impressão de estarmos dentro de uma sala confortável e aconchegante. As mesas estavam cobertas por toalhas douradas e os arranjos de flores coloridas davam vida àquele ambiente animado e musical.
Muitas pessoas estavam na pista de dança e poucas estavam sentadas, indicando que a festa já começara a algum tempo. O DJ estava tocando alguma música de sua autoria, a qual eu não conhecia, mas fiquei animada em ouvi-la. Victoria pegou minha mão e me puxou para cada vez mais perto das pessoas e começamos a dançar juntas. Nossos corpos giravam ao redor uma da outra e ríamos cada vez mais com nossos passos desengonçados.
- Sou melhor usando tênis. – ela disse, enquanto trocava de lado comigo, mexendo os braços de uma forma suave e delicada.
- Sou melhor descalça. – eu respondi, tentando imitar seus movimentos.
Assim que a música acabou, eu e Victoria fomos até o bar para pegar algumas bebidas. Quando me encostei no balcão, Judy parou ao meu lado, segurando uma taça.
- Vocês chegaram! – ela disse, mais animada que o normal e um pouco alterada. – Lemoine não sabe dançar direito, acredita, Vic?!
Victoria deu um sorriso ao ver Judy, que usava um vestido rosa claro colado a seu corpo. Seus cabelos estavam presos em um coque avantajado e bonito. Ela pegou sua bebida e deus vários goles rápidos e então, se aproximou de Judy e disse:
- Vamos mostrar a ele como se faz.
As duas saíram e olhei para Victoria com uma cara de dúvida. Ela logo deu um sorriso sem graça mas forte e então me senti tranquila.
Antes que eu pudesse me virar para sair do bar, uma mão macia pousou sob meus olhos. Dei um sorriso já sabendo de quem se tratava, mas ainda sim me deixei sentir a sensação de surpresa e dúvida que aqueciam meu coração.
- Adivinhe quem é? – perguntou Connor, enquanto nós nos movíamos devagar para longe do bar.
- A não ser que as mãos do Alex tenham ficado com menos cheiro de álcool...
Eu me virei para Connor, que também estava com um copo em suas mãos. Ele estava usando um terno azul escuro e uma grava borboleta preta. Seus cabelos estavam arrumados em um topete charmoso e seu cheiro era, de longe, o melhor da festa. Respirei fundo para sentir seu perfume e fechei os olhos antes que ele pudesse me beijar. Nossos lábios se tocaram como se fosse a primeira vez.
Dei o último gole na bebida do meu copo e o coloquei sobre uma mesa aleatória, assim como Connor. O campeonato no dia seguinte exigia nossa sanidade mental e eu estava profundamente compromissada com ele, direcionando todas as minhas energias e responsabilidades para ele. O álcool não me alteraria aquela noite.
Repentinamente, o DJ trocara as músicas agitadas por músicas calmas e lentas. As pessoas rapidamente trombaram umas com as outras, buscando um par para entrar naquela dança letárgica e adorável. Connor envolveu seus braços sob minha cintura e me puxou para mais perto de si. Passei meus braços por seu ombro e encostei minha cabeça em seu peito, ouvindo cada batida de seu coração, que batia na mesma frequência que o meu. Apesar de não saber dançar, nossos passos estavam tão sincronizados que parecíamos um só.
Fechei meus olhos e senti que havia somente nós dois naquela pista. Não havia discussões entre meus pais, campeonato de natação ou dúvidas sobre meu futuro. Naquele momento, meu coração era inteiro de Connor, assim como meu corpo e meus sentimentos mais bonitos. Nos movíamos devagar pela pista e eu pedia baixinho para que aquilo demorasse o máximo possível.
- Você tem o melhor cheiro de baunilha que eu já senti. – disse Connor, quando nossos corpos se afastaram e a música animada recomeçou.
Dei um sorriso tímido e sem graça, mas ainda sim agradecendo pelo elogio.
Alex e o time de natação apareceram logo depois que nos afastamos. Todos estavam bem arrumados e elegantes, principalmente Travis, que usava um terno brilhante que podia ser notado há metros de distância. Nós nos juntamos em um abraço e começamos a pular juntos, comemorando a possível vitória do dia seguinte. Nossa animação era perceptível a todos que estavam ali, que gritavam juntos "Vai, Michigan!" a todo tempo.
De alguma forma, várias taças apareceram em nossas mãos e nós as erguemos no meio da roda, fazendo um brinde a todos e àquela junção maravilhosa que éramos.
- À competição... – disse Connor, erguendo uma taça e segurando minha mão com sua outra mão.
- Ao Raymond, que não saiu do nosso pé nem um segundo sequer... – disse Chelsea, arrancando uma risada de todos nós.
- E a cara feia que os nadadores da Marquette vão fazer quando nos verem ganhar! – disse Alex, levemente alterado, causando mais gargalhadas em nós.
Assim que terminamos de beber o espumante, senti uma vontade enorme de ir ao banheiro. Saí da rodinha sem ser percebida e caminhei rápido até o banheiro, que ficava do outro lado de onde a aglomeração estava. Não havia fila e poucas pessoas estavam por ali.
O banheiro estava vazio. Entrei no primeiro box e fechei a portinha, quando de repente, ouvi a porta do banheiro abrir bruscamente e se fechar num estrondo forte. A tranca tinha sido acionada e os saltos faziam barulho quando arrastados no piso. Saí de onde estava e repentinamente me deparei com Margarett, Scarlett e Hilary.
Tentei ignorar a presença das três e fui até a pia para lavar as mãos, mas antes que eu pudesse abrir a torneira, Margarett puxou meu cabelo e me lançou contra a parede. Eu me levantei o mais rápido que consegui e a encarei com dúvida e raiva. Suas duas amigas estavam perto da porta, impedindo minha passagem.
- Você pensou que tiraria minha vaga no time, meu namorado e meu bem estar e não pagaria por nada disso? – ela disse, com raiva, enquanto me encarava.
- Eu não tirei nada que você não tivesse. – respondi, bruta.
Margarett me olhou com mais raiva ainda. Ela veio para cima de mim e começou a puxar meus cabelos. Segurei seu pescoço com raiva e a empurrei para longe. Ela caiu no chão e deu um urro de raiva. Minhas unhas tinham deixado algumas marcas vermelhas em sua pele e ela passou sua mão por cima, sentindo os vergões. Scarlett e Hilary a ajudaram a levantar rápido do chão e as três começaram a me encarar.
- Segurem ela. – ordenou Margarett para as meninas.
- Maggie, mas isso não é justo. – disse Hilary, que era mais alta do que nós três.
- Faça o que eu estou mandando, sua imbecil! – ela disse.
Antes que eu pudesse entrar em um box, Hilary e Scarlett me puxaram e me seguraram pelos braços. Fiz a maior força que pude, mas as duas me seguravam tão forte que minhas mãos começaram a ficar dormentes.
Margarett chegou até mim e me deu um soco no lábio. Senti o gosto ferroso em minha boca e cuspi nela uma saliva vermelha, o que fez com que ela ficasse ainda com mais raiva. Novamente, ela me socou na barriga diversas vezes. Tudo o que estava em meu estômago começara a se revirar e tive uma vontade gigantesca de vomitar, mas segurei o máximo que pude. Não iria dar esse gosto à ela.
- Isso é pela vaga no time. – ela disse, enquanto chutava minhas coxas e minhas canelas o mais forte que podia.
Soltei um urro de dor que fora abafado pela música eletrônica que tocava fora dali. Não satisfeita, ela começou a beliscar todo o meu corpo, principalmente nas canelas. Scarlett ria sem parar, mas Hilary não soltava um barulho sequer. Ela estava nervosa, mas ainda sim obedecia a Margarett.
Tudo o que eu conseguia me lembrar era sobre o campeonato no dia seguinte e comecei a me desesperar. Eu precisava das minhas pernas e dos meus braços mais do que nunca.
Scarlett começou a torcer meu braço de modo que a dor ficava cada vez mais intensa. Meus olhos se encheram de lágrimas e tentei contê-las o máximo que pude, mas não foi possível. Margarett continuava a me chutar e a me socar em todas as partes do corpo, até que, sem forças, caí no chão.
Eu sentia uma mistura de ódio, medo e insegurança. Tudo de bom que tinha acontecido até aquele momento simplesmente tinha sumido da minha cabeça e fui tomada por uma sensação de pânico irreversível. Quando me levantei e fiquei diante das três, com o corpo todo dolorido e machucado, Margarett se aproximou de mim pela última vez e antes de dar seu soco final em meu rosto, ela disse com todo o orgulho do mundo:
- E esse é pelo Connor.
Sua mão pesada tocou em meu rosto e a última coisa que me lembro é de cair no chão desacordada.
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No Nível Da Água
Любовные романы"É sério, eu não sei como, mas sou uma pessoa que atrai muitos problemas. E naquela mudança, eu tentaria ser diferente. Sim, eu ia focar na natação e fazer novos amigos. As pessoas não ficavam muito tempo na minha vida. Mas tudo mudou quando eu bat...