(14) - O SALTO DE UM MILHÃO DE DÓLARES

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            No dia do novo teste, acordei no horário habitual. Apesar de ansiosa, eu estava mais tranquila em relação ao primeiro teste. Sabia que não teria uma multidão de pessoas me olhando, portanto a pressão seria menor. Contudo, Connor estaria lá. Portanto, a parte mais difícil dos próximos dias seria trata-lo da forma como sempre nos tratamos, porque, até então, ele não se lembrava da minha louca declaração de paixão.
             Depois de todo o ritual matinal, desci as escadas e tomei a vitamina que estava no liquidificador. Minha mãe estava sentada, já usando sua roupa executiva, pronta para o trabalho. Meu pai, na sala, assistindo o telejornal, estava esperando Scott terminar de arrumar sua mochila.
            - Espero que dessa vez você passe. – disse minha mãe, pegando sua bolsa e caminhando em direção a porta da garagem. – Seria horrível para mim ver as pessoas comentarem do sucesso do seu irmão enquanto você está estacionada.
             Meu pai a fitou com um olhar assustado e revoltante. Ela levantou as mãos como se estivesse se defendendo, enquanto eu disse:
             - Não vou passar por você. Você com certeza já teve sua chance de brilhar e não conseguiu. Não deposite suas expectativas em cima de mim.
             - Vocês duas, chega! – gritou meu pai, levantando do sofá e desligando a televisão. – Estou cansado dessa troca de farpas dentro dessa casa! Lauren, você não está atrasada?
             Minha mãe olhou para meu pai assustada e saiu logo da sala. Scott desceu as escadas assustado, procurando pela confusão que havia perdido.
             - Sempre perco essas brigas! – disse ele, caminhando emburrado para a porta da garagem.


             No corredores do colégio, todos comentavam sobre os ocorridos da festa na casa de McLagen. Algumas pessoas sussurravam nos cantos, enquanto outras já falavam alto, sem nenhum pudor. Os corredores estavam cheios de pessoas e estava cada vez mais difícil chegar ao segundo andar do prédio; os degraus das escadas estavam cheios de pessoas sentadas.
            Victoria estava tentando abrir seu abrir seu armário, mas por sua raiva, ela não estava conseguindo. Deu um soco no metal e o barulho foi ofuscado pelas vozes ali presentes. Assim que me avistou, deu um aceno e mudou rapidamente de postura. Talvez estar sozinha estava incomodando-a.
             - Onde estão... – perguntei.
             - Georgie e Judy? – disse Vic, me interrompendo, falando feliz. – Georgie agora tem que se preocupar com quem ele vai almoçar e passar o resto do ano. E Judy... Não sei. Contanto que não esteja fugindo de mim, está ótimo. – ela deu um sorriso sem graça, mas ainda animado.
             Fomos caminhando juntas para a sala de aula, que estava praticamente vazia. As pessoas estavam ocupadas demais em fofocar pela escola a estarem às oito da manhã em uma aula de geografia. Nos sentamos ao fundo da sala. Enquanto o professor não chegava, peguei meu caderno de desenhos e abri e em uma folha em branco. Victoria colocou seus fones de ouvido e começou a cantarolar uma música animada baixinho.
             Peguei meu lápis preto e comecei a rabiscar levemente o caderno. As linhas, grossas e finas, iam tomando formas e se transformando em partes de árvores e folhas. Meu desenho foi interrompido por um cutucão leve em meu ombro.
             - Fazendo jus ao conteúdo da aula. – disse Connor, sentando-se ao nosso lado. Victoria logo tirou os fones e começou a nos observar. – Preparada pra prova?
             Dei um sorriso sem graça e fechei o caderno. Minha cabeça começou a trabalhar o mais rápido possível para pensar em alguma resposta, por mais que fosse óbvia. Apesar de tudo que tinha acontecido nos dias anteriores, eu precisava trata-lo com normalidade.
            - Claro. – eu disse, finalmente. – Só tentando manter a calma.
            - O seu teste é hoje e você não disse nada? – disse Victoria, indignada.
            - Espero você mais tarde, Han. – disse Connor. – E como vai o vôlei, Vic? Acha que podemos vencer a Marquette esse ano? Seus lances estão muito melhores do que no ano passado.
             Victoria e Connor começaram a conversar, enquanto comecei a divagar em meus próprios pensamentos. Tudo o que acontecera nos últimos dias tirara minha concentração e me deixara menos nervosa para o teste naquela tarde. Comecei a focar em todos os meus saltos feitos nos últimos tempos e fechei os olhos para tentar me concentrar mais.
             As vozes ao fundo foram ficando mais baixas e eu conseguia me ver na beira da piscina olímpica. Não haviam muitas pessoas ao meu redor, mas o suficiente para me encorajar a pular da plataforma de três metros. Olhei para baixo e não me senti amedrontada; já havia visto àquela altura tantas vezes que tudo parecia um deja-vu constante. Dei um impulso forte e me joguei da plataforma, fechando os olhos e fazendo os rodopios de costume. A água gelada me despertara daquele pensamento leve e me levara de volta à sala de aula.
            Tentei focalizar todas as minhas energias e sentimentos para a prova. A natação e a água eram uma das coisas mais importantes na minha vida e eu não poderia deixá-los escorrer das minhas mãos como no último teste. Naquela hora, não existia Connor, nem brigas com minha mãe e muito menos Margarett para me derrubar.


              Haviam poucas pessoas no ginásio. Victoria e Judy estavam sentadas no primeiro degrau da arquibancada e acenaram assim que me viram sair do vestiário. O time de natação também estava presente, e Alex acenava para mim. Connor estava conversando com o treinador Raymond e deu um sorriso longo e também acenou quando fui me aproximando dos dois. Eu estava bem menos nervosa como antes e entusiasmada para mostrar meu salto para o treinador.
              - Olá, Collins. – disse o treinador, sério e com uma voz firme. – Espero que esse salto seja realmente muito bom. Forest empesteou muito a minha paciência para te dar uma segunda chance. E... – ele olhou para algumas anotações em sua prancheta de madeira. – visto seu tempo recorde em relação aos outros candidatos, acredito que você consiga entrar no time.
              Olhei para Connor, que ficara um pouco vermelho, mas não deixou de encarar e parecer concentrado nas instruções do treinador. Dei um sorriso rápido e assenti com a cabeça para Raymond, que ainda mantinha o olhar firme em sua prancheta.
               Nos últimos degraus da arquibancada, Margarett estava sentada com uma de suas amigas. Elas olhavam ansiosamente para mim e algumas vezes, Margarett desviava seu olhar para Connor. Eu sentia suas encaradas de raiva e de insatisfação, pois, afinal de contas, ela quem deveria estar ocupando a posição em que eu estava lutando para conseguir.
               - Quando você quiser. – disse Raymond, enfim, me deixando a sós com Connor.
               Olhei novamente para Margarett, que ainda nos encarava com raiva.
               - Não acredito que você, segundo Raymond, empesteou para que ele abrisse essa exceção. – eu disse, tentando parecer agradecida.
               - Você merece. – disse Connor, sorrindo. – É uma boa nadadora. Com você, temos a chance de ganhar. Seria muito bom mesmo ter você no meu time...
               Senti meu rosto queimar como na festa de McLagen. Respirei fundo e dei um sorriso, agradecendo-o a oportunidade arranjada.
               - Vamos logo com isso, Collins! – gritou Raymond, da arquibancada.
               Caminhei rápido até a escada para a plataforma. Senti minhas pernas bambearem um pouco, mas nada que pudesse me abalar ou me desmotivar. Comecei a subir os degraus finos e gelados de ferro e, quando me deparei, já estava lá em cima.
               Comecei a mentalizar a mesma coisa que estava pensando nas aulas de manhã. Não havia nada que iria me desconcentrar. Só havia a piscina e eu. Só havia minhas memórias felizes e reconfortantes dos meus nados anteriores. Respirei fundo algumas vezes antes de caminhar para mais perto do final da plataforma. Estalei os dedos da mão, como sempre fazia antes, e olhei para baixo, onde todos os presentes olhavam para cima.
               - Vai, Hannah! – disse Victoria, em um grito animado. – Sei que você consegue!
              Dei um impulso e me joguei no ar. Coloquei as duas mãos atrás das minhas coxas e rodopiei uma, duas, três vezes no ar. Chegando mais próximo da água, estiquei minhas mãos e as juntei, tentando espalhar menos água possível. Rodopiei mais uma vez dentro da piscina e cheguei a superfície, olhando para todos que me encaravam.
              Victoria estava boquiaberta, mas se levantou e bateu palmas, junto de Judy, que dava gritinhos emocionantes. As outras pessoas que estavam presentes também juntaram-se as palmas e Raymond estava acenando positivamente com a cabeça. Margarett e sua amiga estavam perplexas com o que tinham visto.
              Nadei até a borda da piscina e saí em um impulso de uma vez só. A adrenalina em meu corpo estava circulando em níveis extremamente rápidos e comecei a sorrir assim que vi Connor, que veio correndo em minha direção.
              - Impressionante, Hannah! – disse ele, batendo palmas.
              - Geralmente só pedimos que os candidatos espalhem menos água possível, mas isso foi espetacular. – disse Raymond, caminhando até nós dois. – A vaga é sua, Collins. Forrest, depois você explica a ela como as coisas funcionam aqui. Fale sobre os treinos, sobre os horários, sobre... Isso é trabalho seu!
               Connor me abraçou e me rodopiou no ar. Comecei a dar gargalhadas altas e felizes. O time de natação veio até nós e começou a me cumprimentar, dando apertos e mão e abraços. Todos parabenizaram meu salto e elogiaram meu tempo de nado na primeira prova. Victoria e Judy também vieram me dar abraços e ignoraram o fato de eu estar encharcada. Demos um abraço triplo e, envolvida pelos braços mais confortáveis do momento, pude ver Margarett, ainda sentada, no alto da arquibancada. Ela balançava a cabeça negativamente várias vezes e destilava ódio. Sua amiga estava segurando sua mão, mas ela não se importava com mais nada além de olhar e ver que eu roubara seu lugar.
                Mas nada daquilo me incomodava, nada me importava. Eu era a mais nova nadadora de MCHS e estava prestes a competir novamente.

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