Quando meu pai chegou para me buscar no colégio, pedi a ele que passássemos na loja de carpintaria para comprarmos algumas latas de tinta para que eu decorasse meu quarto. Então fomos direto do colégio para o centro da cidade.
Ao chegar na pequena loja de construção, peguei uma lata de tinta cinza, uma branca, uma roxa, uma cor de rosa e vermelho. Procurei por mais alguma coisa que pudesse me ajudar a decorar o quarto, quando me deparei com uma grande caixa cheia de pincéis. Escolhi os que seriam perfeitos para a pintura e fomos em direção ao caixa.
- Como foi o primeiro dia? – disse meu pai, quebrando o silêncio. – Você não disse uma palavra até agora, Hannah.
- Foi... bom. – respondi, sincera. – Conheci algumas pessoas do time de vôlei.
- Está pensando em mudar de esporte? Vôlei parece ser menos arriscado.
Dei um sorriso e um soco leve em seu ombro. Coloquei as latas de tinta dentro de uma sacola e fomos andando em direção ao carro. Ainda teríamos que buscar Scott na Marquette.
- E esse galo na testa? – perguntou meu pai, dando partida no carro. – Acha que não vi?
- Bati a cabeça em um armário. – respondi, colocando a mão no galo, que ainda estava um pouco dolorido. – Não foi nada demais...
Meu pai fez uma cara séria mas logo voltou a sorrir. Ele estava feliz por ter se mudado para Michigan, já que lá parecia ser a cidade menos corriqueira que já moramos. São Francisco, apesar de bonita e grande, tinha um turismo muito forte em determinadas épocas do ano, e isso acarretava em vários pontos em nossa família, desde o trânsito para chegar em casa até quando saíamos em família.
Quando chegamos na porta da Marquette, Scott estava sentado sozinho nos degraus. Ele veio correndo com a mochila nas costas e entro no banco de trás, emburrado.
- Vocês me esqueceram aqui? – perguntou ele, com raiva. – E.. Ei, Hannah! Era minha vez de sentar no banco da frente!
Mostrei a língua para ele através do retrovisor. Meu pai dirigiu rápido para que chegássemos em casa, pois minha mãe já havia ligado várias vezes para saber se nos atrasaríamos mais ainda para o jantar.
Ao chegarmos em casa, peguei minha mochila e as latas de tinta, que estavam no porta malas, e subi para meu quarto. De dentro do quarto, ouvi minha mãe chamar:
- Hannah, vem comer!
Ignorei totalmente seu chamado e fechei a porta. Coloquei as latas no chão e minha mochila em cima de uma cadeira que ficava perto da janela. Tirei minhas roupas que havia usado para ir ao colégio e coloquei uma camisa branca enorme e velha que estava guardada no closet, junto com um short de pano bem curto que, na verdade, não aparecia em meu corpo diante da blusa.
Na parede em que a cabeceira da cama estava encostada, estavam encostados também, a mesinha de canto, o guarda roupas e alguns quadros, que, instantaneamente, sairiam dali. Puxei os móveis para o meio do quarto e forrei o chão com alguns jornais que estavam em uma caixa de papelão, dentro do closet.
Abri a lata de tinta de cor cinza e enfiei um rolo de tinta, fechei os olhos e pensei no que poderia fazer. Tirei o rolo de tinta e passei na parede, fazendo movimentos "vai e vem", tampando cada milímetro branco que ainda era visível.
Não demorou muito para que eu terminasse de pintar aquela parte. Haviam alguns pingos de tinta nos jornais espalhados pelo chão e em minha blusa. Teria de deixar secar por um ou dois dias para que eu começasse a fazer os desenhos que estavam em minha mente. Minha blusa estava um pouco suja de tinta, como sempre. Aquele dia, declarei que aquela blusa branca seria a blusa de pintura.
Me sentei na cama e fiquei encarando a janela que dava para o jardim dos fundos e imaginei como seria ótimo a piscina ali. Eu iria tentar fazer o teste para entrar no time de natação do colégio, pois nadar era meu único refúgio. Contudo, deveria, provavelmente, enfrentar Margarett, algo que já me incomodava desde que soube que ela tentava, todos os anos, entrar no time.
Anoiteceu. A luz da lua entrava pela janela de meu quarto e iluminava todo o ambiente, fazendo com que o local se tornasse uma atração inédita para dormir. Fui até o banheiro e me olhei no espelho. Minha aparência estava péssima e bastante suja de tinta. Decidi, então, tomar um banho.
A água que caía em minhas costas me fazia refletir sobre como minha vida poderia tomar um rumo diferente nessa cidade. Saí do banheiro enrolada na toalha olhando para os lados para evitar que os vizinhos ao lado me vissem.
Assim que terminei de colocar roupas limpas, me deitei na cama e comecei a mexer em meu celular. Ouvi um barulho de alguma janela sendo aberta, até que olhei para o lado e me deparei com uma das maiores novidades da cidade: Connor Forrest estava debruçado no parapeito de sua janela, olhando para mim.
- Então você é a nova vizinha. – ele disse, após um longo assovio.
Sem reação e completamente sem graça, bloqueei a tela do celular e o coloquei em cima da mesa de canto. Fui até o parapeito de minha janela e disse:
- Ahn... parece que sim.
Connor deu um sorriso sem graça, mas ainda sim continuou parado a me encarar.
- Como vai a testa? – perguntou ele.
- Melhor do que mais cedo. – eu disse, sorrindo. – Já quase não existe rastro de você em mim.
- Bom, caso você precise de algo na escola...
Connor deu um sorriso amistoso, sem mostrar os dentes. Ele olhou para o céu e logo depois saiu da janela. Deu um aceno incitando um "tchau" e saiu do quarto.
Fechei a janela e me sentei na cama. Não consegui me concentrar em mais nada do que estava fazendo. Meu pensamento estava focado em meu novo vizinho, que além de ser o capitão do time de natação, estava sendo bastante receptivo comigo. Dei um sorriso sozinha e desci para comer as sobras do jantar.
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No Nível Da Água
Romance"É sério, eu não sei como, mas sou uma pessoa que atrai muitos problemas. E naquela mudança, eu tentaria ser diferente. Sim, eu ia focar na natação e fazer novos amigos. As pessoas não ficavam muito tempo na minha vida. Mas tudo mudou quando eu bat...