(21) - O CAMPEONATO

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Como num passe de mágica, as coisas pioraram. Acordei na manhã seguinte com o despertador do telefone, que tocava já há alguns minutos. Eu estava no meu quarto, deitada na cama e coberta. Como eu parara ali eu não sabia, mas estava profundamente agradecida a quem me ajudara. Meu corpo todo doía e minha cabeça girava um pouco, indicando que eu ainda não tinha me recuperado cem por cento da surra dada por Margarett. Como ela era covarde...
A única coisa que se passava em minha cabeça era o campeonato e eu não iria perde-lo. Se meu corpo falharia dentro da água eu não sabia, mas não treinei tanto para que Margarett tirasse a coisa mais importante da minha vida. Eu me levantei o mais rápido que pude da cama e parecia que minhas pernas iriam se soltar do meu corpo. Meu estômago ainda doía, mas não tanto quanto minha cabeça. Fui cambaleando até o banheiro e me encarei no espelho. Ainda havia um pouco de maquiagem em meu rosto, bastante borrada. Meu lábio estava inchado e havia uma manchinha roxa em minha bochecha.
Peguei uma base na pia do banheiro e espremi o vidrinho em minha mão, tentando tampar aquela mancha. Para minha surpresa, ao olhar para minhas pernas, percebi que não era só o rosto que precisaria daquilo. Eu me sentei no vaso com dificuldade e passei em cada hematoma que eu pudesse enxergar.
Benditas maquiagens à prova d'água.
De repente, ouvi gritos vindo do corredor e daquela vez eu ouviria até o fim, apesar de estar um pouco atrasada para ir ao colégio.
- Essa foi a gota d'água, Charles! – disse minha mãe, com raiva. – Não vou tolerar mais as atitudes dessa menina!
Coloquei minha cabeça, ainda zonza, colada na porta para que eu pudesse ouvir mais claramente.
- Lauren, se acalma, por favor! – disse meu pai, tenso. – Você acordar as crianças e...
- Eu não me importo com isso! Ela não tem nada de você, só da maldita Carol! Essas confusões, essa bagunça inteira na família!
Carol... Quem raios era Carol?
Não podia ser verdade. Não àquela hora. O silêncio no corredor era perturbador. Minhas pernas doloridas começaram a tremer e eu me sentei no chão, tentando ligar os pontos e cada vez mais infeliz por descobrir a verdade. Eu queria sair dali, gritar o máximo que eu podia, mas era como se toda a energia que existisse dentro de mim tivesse sumido.
Carol...
- Precisamos contar a ela. – disse minha mãe, chorando. – De todas as coisas que passamos, essa foi a pior pela qual você me obrigou a fazer.
Eu me levantei do chão e abri a porta rápido. Meu pai estava com seu roupão cinza de costume e suas pantufas, enquanto minha mãe estava com sua camisola larga. Os dois olharam para mim espantados e percebi os olhos do meu pai se encherem de lágrimas. As minhas foram mais rápidas.
- Justo hoje? – eu perguntei, inconformada. – Vocês não poderiam esperar pelo menos até o fim do campeonato?
Minha mãe olhou para meu pai, que caminhava em minha direção. Quando ele se aproximou, eu dei um passo para trás, recuando de seu abraço. Aquilo me atingira como um tiro e a dor era pior do que a surra que eu levara de Margarett.
- Hannah... – disse meu pai, desolado, enquanto suas lágrimas escorriam por seu rosto. – Você não pode...
Minha mãe não conseguia olhar para mim. Ela olhava para o chão, para a parede, para a planta no final do corredor, para a escada, menos para mim. Eu não a julgava. Também não queria olhar para ela. Era uma mistura de raiva com tristeza e tudo o que eu queria fazer era estar longe dali.
Entrei para dentro do quarto e fechei a porta. Os dois continuaram a conversar fora do quarto mas eu não queria ouvir o que eles tinham a dizer. Para mim, estava claro demais. Lauren jamais me tratara da mesma forma que tratara Scott porque eu não era sua filha. Porque eu lembrava alguma mulher que meu pai tivera um caso, porque eu era a faísca para brigas entre os dois.
Existia dentro de mim uma pequena parte que ficava feliz em não ser filha dela, mas bem pequena. Seria horrível ter o gênio de uma pessoa como ela. Mas mais horrível ainda era ter descoberto aquela mentira justo no momento mais importante da minha vida.
Corri até o closet com dificuldade. Minhas pernas doíam, mas a dor estava sendo ofuscada pela adrenalina que corria em meu sangue. Não. Aquilo não me impediria de ganhar o campeonato naquela manhã. Peguei minha bolsa e coloquei o maiô da prova, touca, óculos de mergulho, tudo o que eu precisaria para competir.
Coloquei uma calça de moletom cinza escura e uma camiseta vinho lisa. Prendi meus cabelos num rabo de cavalo e quando levantei os braços, senti uma pontada absurda em ambos. A dor não iria me vencer naquela manhã.
Saí do quarto e vi que o corredor estava vazio. Meus pais não estarem ali me esperando era um alívio. Olhei no telefone e vi que faltavam apenas vinte minutos para a primeira prova e comecei a me desesperar com o horário. Bati forte na porta de Scott várias vezes, até que ele apareceu com sono. Antes que ele dissesse alguma coisa negando, eu falei:
- Vamos. Você precisa me levar ao colégio.
- Hannah... – ele disse, esfregando os olhos, mas prestando a atenção em mim. – Você não...
- Ou você me leva ou eu conto pro papai sobre as notas baixas que você alterou no site.
Scott arregalou os olhos e me puxou para dentro do quarto, onde ele se vestiu e fomos correndo em direção ao carro para ir ao colégio.

             O ginásio da piscina estava lotado. A torcida amarela e azul da Marquette gritava animada e cantavam canções contra Michigan City, que por sua vez não ficava para trás. O verde escuro e branco da nossa escola era, de longe, mais bonito e mais entusiasmado que o do rival.
As equipes estavam reunidas em duas pontas diferentes do ginásio. Nosso time de natação estava próximo ao vestuário feminino, reunido em uma grande roda, onde Raymond dava as instruções tenso e preocupado. Eu me despedi de Scott com um abraço apertado e estremeci o corpo quando ele devolveu a força. Ele caminhou até a arquibancada e se sentou no degrau reservado aos familiares.
Quando Victoria me avistou, ela saltou de seu lugar e veio correndo até mim, muito preocupada.
- Hannah, você não pode fazer isso! – ela disse, enquanto caminhávamos juntas em direção ao time. – Você está toda machucada e...
- Vic, eu preciso fazer isso, ok? – eu disse, nervosa. – É tudo o que eu tenho!
- Mas Hannah, os avaliadores, o campeonato é...
Eu lhe dei um abraço e senti novamente a dor em todo o meu corpo. Deixei Victoria no meio do caminho, sem ouvir o que ela tinha a dizer. Eu não podia deixar de competir. Eu necessitava daquilo e nada naquele momento era mais importante.
Assim que cheguei no time, todos olharam para mim espantados, principalmente Raymond. Ele arregalou os olhos, assim como todos, e junto de Connor, me puxou para o lado.
- Collins, você está atrasada e...
- Hannah, por favor, não faça isso... – disse Connor, pegando em minha mão. – Você só vai piorar sua condição e...
- Não! – eu disse, com raiva. – Eu posso e vou fazer isso! Estou cansada das pessoas dizerem que não posso ou que não vou conseguir. Isso não é nada em comparação a...
Eu me lembrei do que ouvira naquela manhã e fiquei calada. As palavras não saíam da minha boca.
Connor me encarou preocupado, mas segurou minhas mãos com força e me puxou para um abraço apertado. Meu corpo voltara a pulsar de dor, mas eu não queria e não podia demonstrar nada. As pessoas precisavam saber que tudo estava bem, principalmente Connor. Eu não queria preocupá-lo.
- Hannah, você precisa dar o seu melhor, ok? – disse Raymond, olhando para mim. – Você é a melhor nadadora do time. Nós precisamos que você dê o seu melhor!
Assenti com a cabeça e fui até o vestuário para me trocar. Tirei a roupa e olhei rápido para ver se os hematomas ainda estavam aparentes e me preocupei por alguns ainda estarem aparecendo. Coloquei o maiô, a touca e saí tentando não mancar.
Por sorte, eu não era uma das primeiras a disputar a primeira prova. Eu me sentei no banco ao lado de Travis e Connor, que me deram um abraço fraco mas ainda sim senti o carinho dos dois. Aparentemente eles sabiam o que tinha acontecido e tentaram encostar em mim sem me machucar ainda mais.
As torcidas gritavam e esbravejam sua satisfação quando algum nadador chegava primeiro na outra borda da piscina. Os gritos ecoavam por todo o ginásio e aquele barulho me animava e me encorajava a nadar ainda mais. Apesar das manchas em meu corpo, eu começava a me sentir cada vez mais confiante.
- Era verdade. – sussurrou Connor em meu ouvido. – O pai de Margarett subornou Raymond para que ele tirasse você do time. Mas ele não aceitou. Ele sabia que com você nós tínhamos mais chance ainda de ganhar.
Eu não estava louca. Havia alguém nos espionando na praia aquela tarde. Talvez a própria Margarett. Quando Connor disse que ela estava jogando sujo, eu não pensei no quanto.
             "Foco, Hannah, foco. O time precisa de você. Você precisa disso."
- Não se preocupe, Collins. – disse Travis, pegando em minha mão. – Nós confiamos em você.
  "Nós confiamos em você."
As palavras ecoavam em minha cabeça e comecei a canalizar toda a minha vibração para o campeonato. Fechei os olhos e respirei fundo, esperando que todo aquele barulho do ginásio desaparecesse. A dor em meu corpo se tornava irrelevante, Margarett não existia. A prova era a coisa mais importante para mim.
- E a próxima dupla é composta por Hannah Collins, de Michigan City High School, - disse um homem no microfone, enquanto as pessoas na arquibancada gritavam meu nome. – e Joanna Dallas, da Marquette High School.
- Wow! – disse Alex, sentado na ponta do banco. – Vai, Hannah!
Todos se levantaram e me deram um abraço em conjunto. Ao terminar o abraço, caminhei até o pequeno palanque perto da piscina e olhei para Joanna Dallas, que olhava diretamente para o final da piscina, sem me encarar por um segundo sequer. Olhei ao redor da arquibancada e vi Victoria sentada ao lado de Judy, que acenavam para mim animadamente. Dei um sorriso sem graça e acenei de volta, até que vi Margarett sentada, de braços cruzados, emburrada e me encarava com ódio.
Meu pai e Lauren também estava lá, mas evitei olhar para os dois.
- Ida é peito! – falou o homem no microfone novamente. – Volta é costas!
- Fácil. – disse Joanna com um tom de desdém ao me encarar.
Respirei fundo e me posicionei para pular na piscina, esperando apenas o som do apito. Coloquei os óculos sob o rosto e assim que ouvi o barulho, me joguei na água e tentei nadar o mais rápido que pude.

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