A casa sempre foi a primeira coisa que notei quando me mudava de cidade. A da vez era amarela, com janelas brancas de madeira e plantas no parapeito. Tinha dois andares e um jardim médio na frente, que possuía pedras que levavam até a porta de entrada. A caixa de correios, que ficava próxima à calçada, era branca com alguns detalhes em vermelhos. A combinação de cores dessa cidade não me interessou nem um pouco.
A ironia contida em grande parte dos meus pensamentos, demonstrava claramente um traço marcante em minha personalidade. Debochada, quase sempre mal-humorada, calada, mas ainda sim uma pessoa que impunha suas vontades. Apesar de nunca ter sido uma pessoa que falasse muito com todos, sempre fui alvo de fofocas. Um verdadeiro ímã de problemas. E eu nunca consegui entender o porquê disso. Talvez tudo isso decorria da minha grande habilidade em eliminar grande parte das garotas na natação. Mas eu não tinha culpa por nadar tão bem, segundo alguns.
"Hannah, você sempre arruma confusão em todos os colégios que colocamos você!".
De acordo com meu irmão, essa era a frase mais comum de se ouvir em nossa casa, principalmente quando meus pais percebiam os hematomas em meu rosto ou em meus braços.
A maioria das brigas eram sempre pelo mesmo motivo: a natação. E eram sempre com as pessoas de mesmo nível: os concorrentes. Isso acontecia com frequência pois eu gostava de vangloriar todas as vezes que eu ganhava em algum nado. Mas aquilo precisava parar. Para o meu bem. E naquela nova cidade, eu decidi que precisava focar mais no esporte e esquecer o que, de fora, poderia influenciar dentro de meus treinos. Eu estava decidida a mudar.
Quando meu pai estacionou o carro na garagem coberta da casa, abri a porta do carro e fui em direção à porta da frente. Apesar de ser uma casa que não era habitada há algum tempo, estava bastante limpa.
- Mãe! - gritei. – Você pode, por favor, parar de enrolar e abrir logo essa porta?
Me sentei no chão e esperei por mais algum tempo até que meus pais parassem de discutir dentro do carro. Assim que saíram, aumentei o volume da música em meu celular e abaixei a cabeça pensando: "em que diabos eu e meus pais nos metemos dessa vez?"
Era a quarta cidade na qual passamos nos últimos dez anos. Quando mais nova, eu adorava o ritmo de mudanças, mas depois de velha, passei a enxergar como um castigo. Era difícil manter relações com as pessoas. Mais difícil ainda, criá-las de novo depois de crescida. Meu pai me entendia. Éramos muito parecidos; pessoas com personalidades próprias e fortes. Sempre estávamos juntos e ele sempre ia aos meus campeonatos de natação. Gostávamos do ritmo da competição e da água. Minha mãe, o oposto de meu pai, apesar de também gostar das competições, mas das do meu irmão, era dona de um temperamento instável. Não nos dávamos tão bem depois que cresci.
Minha mãe chegou, abriu a porta e entrei correndo para saber como era meu novo quarto. Mas antes, observei os cômodos do primeiro andar. A sala bem iluminada, a cozinha bastante aberta e a sala de jantar, estavam com os móveis de nossa casa antiga. O carreto havia sido bem mais rápido do que nós.
Assim que subi as escadas, entrei em um cômodo que era bem iluminado, com paredes brancas e duas janelas: uma que dava para a parte de trás da casa e a outra, para a casa ao lado da minha. A organizadora que minha mãe contratara havia organizado tudo da forma como era na última cidade. As portas do closet e do banheiro eram lado a lado. E, pela primeira vez, eu teria algum lugar para guardar minhas roupas e meus materiais de pintura. Aquele mini corredor me ganhou por completo.
Depois de ter visto o quarto, desci até a sala e me sentei no sofá. Meus pais estavam verificando se tudo estava em seu devido lugar. Após alguns segundos, me levantei e fui até o carro para terminar de pegar minhas coisas: meu cavalete de pinturas, na qual ganhei quando tinha sete anos, em nossa primeira mudança, uma caixa de fotografias que tinham as fotos mais importantes que tirei nos lugares mais especiais para mim e uma caixa de maquiagens, pois eu nunca saía para lugar algum sem passar algo no rosto.
A personalização do meu quarto seria por minha conta. Eu poderia pintar e desenhar nas paredes. Antes, meus pais não aprovavam as pinturas pois diziam que dificultava a venda da casa, mas depois que perceberam que a pintura era meu refúgio, passaram a compreender melhor. Naquele novo início, eu queria que as coisas dessem certo. E queria me manter longe de confusões. Mas não sei se seria tão fácil quanto eu pensava.
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No Nível Da Água
Romantizm"É sério, eu não sei como, mas sou uma pessoa que atrai muitos problemas. E naquela mudança, eu tentaria ser diferente. Sim, eu ia focar na natação e fazer novos amigos. As pessoas não ficavam muito tempo na minha vida. Mas tudo mudou quando eu bat...