Capítulo 02

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Começos são difíceis. Muitas pessoas perdem boas histórias por ter desistido em seu começo. É complicado focar a atenção, mas para um autor é ainda pior. Você não pode entregar muita coisa, mas ao mesmo tempo você precisa ser atraente o suficiente para que o frenesi comece, para que os leitores voltem. Como eu disse, é difícil. Em uma visão por cima, eu posso dizer a vocês que Alfonso Herrera era jovem, 25 anos, formado em medicina. Bonito, forte, cabelo escuro e olhos verdes. Bom, é uma imagem promissora, mas a felicidade se vê tão distante... Não via os pais a anos, não tinha um relacionamento sério, e a única pessoa no mundo que tinha seu amor falecera há um mês: Seu cachorro, Max. Foi a solidão da ausência do cachorro que o levou a sair de Londres, a ir pra França. Foi por ser um turista que ele terminou naquela manhã, sozinho, sentado em uma mesa do Gare de Lyon, com um mapa aberto a sua frente, e um lápis na mão.

Anahí: Com licença. – Disse, a voz delicada. Ele ergueu a cabeça. Havia um anjo, parado no meio do trem, por algum engano violento da vida olhando-o. Seus olhos pareciam sondá-lo – Posso?

Alfonso olhou em volta, sugestivamente. Haviam várias mesas vazias em volta, mas ela queria se sentar com ele. Anahí esperou, em silencio. Seria engraçado se ele recusasse. Ela usava uma blusa branca, de botões, uma saia de cintura alta, de linho cinza, da mesma cor que as luvas, e tinha os cabelos soltos. Ele a encarou de novo e ela ergueu uma sobrancelha.

Alfonso: É claro. Por favor. – Ele apontou com o lápis para a cadeira a sua frente. Anahí acenou com a cabeça se sentou.

Ela esperou que ele falasse, mas ele não disse nada. Estava absorto no mapa. Ela olhou pela janela. Os campos verdes voavam pela janela, levando-a para longe de Paris. Olhou para o civil novamente. Os homens em geral sempre puxavam assunto com ela, mas esse não. Não tinha os traços de Christopher. Nada. Ela nem sabia porque escolhera o coitado. Estava quase desistindo. Doppelgangers pagavam pela aparência, mas nem isso o pobre coitado tinha. Ela tirou um pequeno cigarro da bolsa, junto com um isqueiro, então o dito cujo se pronunciou.

Alfonso: Isso faz mal, sabia? – Perguntou, apontando o cigarro com o lápis, e ela ergueu a sobrancelha, retirando o cigarro da boca e soprando a fumaça.

Anahí: Vamos morrer, fumando ou não, qual seria a diferença? – Perguntou, dando corda.

Alfonso: Alguns de nós podem morrer velhos, depois de termos vivido o suficiente, de morte natural. Outros de nós podem morrer novos, os rostos ainda impecáveis, mas com os pulmões estragados, por exemplo. – Disse, e ela tragou do cigarro.

Anahí: Do mesmo modo como alguns de nós podemos morrer baleados. Num acidente de carro. Na queda de um avião. No descarrilamento de um trem. – Insinuou, e ele riu.

Alfonso: Pensando por esse ângulo... – Ele deu de ombros, voltando o rosto pro mapa.

Anahí: Problemas com Paris? – Perguntou, e ele viu de canto de olho que ela apagou o cigarro.

Alfonso: A verdade é que fazem muita propaganda da França, mas não vejo lugar algum que me interesse ir. – Disse, dando de ombros.

Anahí: Um turista. – Observou, e ele devia mesmo ter visto o brilho doentio da diversão nascendo nos olhos dela.

Alfonso: Sou de Londres. – Disse, tranqüilo.

Anahí: Que tal Veneza? – Ela apontou com um dedo delicado no mapa um lado que ele ignorara – Dizem as más línguas que o próprio Alexander Pierce tem residência fixa lá.

Alfonso: Quem? – Perguntou, franzindo o cenho. Ele a encarou. Dessa vez ela tinha um sorriso estonteante no rosto. Parecia estar se divertindo perversamente com algo... Mas ele não deteve sua atenção. O sorriso dela era lindo. Mais enigmático que o da própria Mona Lisa, e ainda assim com uma alegria jovem que encantava.

Anahí: O que você sabe sobre Alexander Pierce? – Perguntou, encarando-o, e ele se puxou de volta a realidade.

Alfonso: Nada. – Admitiu – Eu deveria saber?

Anahí: Com o tempo você descobre. – Disse, contendo o sorriso – Eu estou indo a Veneza. Se quer uma sugestão de pra onde ir...

Alfonso: Como é seu nome? – Perguntou, observando-a.

Anahí: Anahí. Me chamo Anahí. – Respondeu.

Alfonso: O que me levaria a Veneza, Anahí? – Perguntou, debochado.

Anahí: Talvez meu convite, Alfonso. – Rebateu, no mesmo instante, sem deixar de encará-lo. Ela viu a confusão nos olhos dele e sorriu, a mão delicada puxando o passaporte dele, largado no canto da mesa.

Alfonso: Certo... – Ele não sabia porque estava fazendo aquilo – Veneza parece ser um ótimo ponto turístico.

Anahí: Então é quase certo que nós encontraremos lá. – Disse, sorrindo de canto, encarando-o. Os dois se encararam por minutos, em silencio, como em uma queda de braço, então a voz do maquinista avisou que dentro de minutos estariam na estação de Veneza – Parece que chegamos. Foi bom conhecê-lo, Alfonso. – Disse, se levantando.

Alfonso: Igualmente. – Ela deu as costas e se afastou, os cabelos dançando as suas costas. Só quando ela sumiu de vista que ele desviou os olhos, fechando o mapa, dobrando-o.

Não precisava mais do mapa. Já tinha um ponto final.
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P.S.: Ignorem o fato de eu ter conseguido levar Veneza para a França, sendo que ela fica na Itália. Licença poética. 

O Turista (Livro 01)Onde histórias criam vida. Descubra agora