9. Irmão perfeito

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Gorete bateu gentilmente na porta e aguardou. Como não houve resposta, tornou a bater, um pouco mais forte.

— Senhor Leônidas?

— O que você quer? — a voz irritada era um sinal de alerta para que ela se afastasse.

Gorete hesitou, mas insistiu:

— O senhor não come nada desde ontem. Quer que eu prepare alguma coisa?

— Saia daqui, Gorete.

— Mas...

— Não me faça repetir — a voz do outro lado da porta era ameaçadora. Não era como um "saia daqui ou está demitida"; soava mais como um "saia daqui ou eu mato você".

A empregada engoliu em seco, trêmula. Não estava realmente preocupada com o patrão, mas sua integridade física e mental era sim, de seu interesse. Afinal, se ele morresse ou enlouquecesse ela perderia o emprego. Foi em silêncio para a cozinha. Seu celular tocou.

— Oi, Girlane.

Era sua irmã.

— O psicopata está por perto?

— Não, está trancado na jaula desde ontem, sem comer nada — ela sussurrou.

— Já falei pra você cair fora daí. Esse homem é louco.

— Eu preciso do emprego.

— Você presenciou o inferno que a mulher dele viveu. Você disse coisas horríveis sobre ele. Lembra o que ele fez com aquele rapaz? Ele é tão influente que nem foi pra TV. E agora são apenas vocês dois no apartamento. Sem falar que ele está falindo, perdendo tudo desde que o filho morreu. Procura outro emprego, mulher.

— Onde mais vou arranjar um emprego desses? Enquanto ele não falir, vou aproveitar o máximo o salário que ele paga.

— Gorete, estou falando muito sério. Esse homem é louco, você sabe.

— Claro que sei. O quarto dele que o diga, cheio de fotos do defunto.

— Do que chamou meu filho?

A voz rouca atrás de Gorete a sobressaltou, gelando sua espinha. Virou o corpo para trás, tremendo, olhando para o corpulento e barbudo ruivo, de olhos encovados, intimidantes, avermelhados, fixos nela como os de uma fera assassina.

— Gorete? Gorete? — a voz da irmã repetia ao telefone.

— Fotos do defunto — ele estresiu com a voz gélida.

— Senhor, é... Apenas modo de falar... — ela trepidava tanto quanto a voz.

Ele continuou parado no meio da cozinha, como uma estátua macabra.

— Se o senhor quiser eu... Eu vou embora agora...

— Não.

Ela respirava fundo, nervosa. Aquele homem aleijara um rapaz. Já havia batido na esposa e tinha olhos de lobo. Tinha certeza de que ele a mataria naquele momento. Teve o ímpeto de gritar, mas sua voz não saía da garganta.

— Prepare alguma coisa, estou com fome. E leve mais uma garrafa de uísque — e dizendo isso deu meia-volta e saiu da cozinha.

Ela deu um suspiro de alívio que secou seus pulmões.

— Gorete? Gorete?

Levou o celular ao ouvido.

— Está tudo bem, Girlane. Arranja um lugar pra eu dormir. Amanhã mesmo estou indo embora.

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora