22. Adeus, inocência

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Ariel chegara da boate em que havia se drogado e cheirou mais uma carreira de cocaína, desmaiou, chorou por horas, mas finalmente havia se recomposto. Estava sentada diante do seu laptop com os olhos inchados de tanto prantear. Lembrou-se de quando era adolescente e ouvira pela primeira vez a definição de Karma. Agora tudo fazia sentido.

A palavra era usada em muitas religiões, mas em todas, havia uma mesma definição, usada, inclusive, na física: "para toda ação existe uma proporção de força equivalente sem sentido contrário". Ou seja, tudo o que você fizer de bom ou ruim nessa vida acabará voltando para você. Ariel acreditava piamente nisso, agora mais do que nunca. O destino é implacável, ela sabia; e muitas vezes, irônico. Tal ironia beirava o sadismo, como era o caso.Ariel acreditava nessa recompensa ou punição celestial do Karma. E, durante os últimos anos esperava uma punição massacrante para seus atos, mas não sabia que seria assim tão cruel...

Enquanto organizava as ideias para saber exatamente o que escrever, fazia uma retrospectiva de sua vida.Quando criança vivia assombrada pela ideia de se tornar a mesma coisa que sua mãe, uma sociopata desprovida de qualquer sentimento de compaixão, capaz de qualquer coisa para conseguir o que queria. A mulher jamais dera a Ariel a mínima demonstração de carinho, sempre fora cruel com a mesma, mas aos olhos da sociedade, era uma mulher simpática e agradabilíssima, que ganhava qualquer um na conversa. Ariel fugiu de casa antes que a mulher fosse presa pelo assassinato do próprio marido, pai de Ariel, para ganhar o dinheiro do seguro. Passou a adolescência sozinha, morando de aluguel em um sobrado, que pagava vendendo bombons de chocolate que ela mesma confeccionava. Apesar da vida dura que levava, Ariel tinha sonhos, era ambiciosa. Queria ser uma grande atriz, atuar em grandes filmes de hollywood um dia. Sempre apaixonada pelos livros, lia todos os dias em uma biblioteca pública, e quando podia, comprava seus próprios livros. Terminou o ensino médio, conseguiu um emprego em uma loja de roupas, no setor de perfumaria, e ingressou em um curso de teatro. Foi no curso que ao assistir uma apresentação de ballet,"O lago dos cisnes", acabou se apaixonando igualmente. Entrou também em um curso gratuito de ballet, nos fins de semana, focada em seu objetivo: tornar-se o que sua mãe nunca se tornaria. Sempre fora elogiada pelos professores e colegas; tinha talento de sobra, além da beleza que lhe abria portas com mais facilidade.

Ariel não tinha tempo para namoro, mas havia se envolvido com alguns rapazes, sem nunca sentir nada especial por nenhum deles. Até conhecer Rael, o músico de rua por quem se apaixonou loucamente. Passou a construir todos os planos que tinha ao lado de Rael, e ele parecia disposto a ajuda-la a realiza-los. Eram felizes juntos, apesar das dificuldades que enfrentavam; Rael tocava em churrascarias, e algumas vezes em casas de shows. Passaram a morar juntos depois de um tempo.

— Toca a nossa música — ela pedira em um luau na praia, sentados próximos a uma fogueira.

Ele tocara "Apenas mais uma de amor", de Lulu Santos. Os dois se beijaram apaixonadamente.

— Eu te amo — ela sussurrou ao seu ouvido.

— Não ouvi.

— Eu te amo!

— Mais alto!

Ela se levantou, correu até a água de braços abertos, girando, gritando:

— Eu te amo!

Quando engravidou, Ariel sabia que não seria fácil. Teria de interromper os cursos, trabalhar dobrado para sustentar a criança, mas tinha certeza de que Rael a ajudaria. Estava radiante de felicidade, queria muito ter uma criança, apesar de isso estar em seus planos futuros.

Fez uma surpresa para Rael. Preparou um jantar à luz de velas para dar-lhe a notícia.

Mas a reação dele não foi a esperada.

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora