26. A Musa do Nunca

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We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl
Year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here  


Amanda olhava para a mãe com pesar. Não queria demonstrar a ela a tristeza que a desgastava. Tinha que demonstrar toda a maturidade dos seus dezoito anos para não deixa-la pior do que já estava. Observava a mãe que estava do outro lado da parede de vidro, no jardim, olhando para o nada, o vento esvoaçando seus cabelos castanhos. Era quatro anos mais jovem que Samuel, e aparentava ser ainda mais jovem que a idade que tinha.

— Estão mesmo decididos, mãe?

— Sim, filha. Não dá pra fingir que estamos bem. Eu e seu pai já não amamos mais um ao outro.

— Eu não entendo...

— Um dia você vai entender.

— Vocês... vocês nem brigam tanto... Acho que uma terapia de casal resolveria...

— Eu daria tudo para dar certo com seu pai, Amanda. Mas não há mais o que insistir...

Anastácia limpou a lágrima que caía e abriu sorriso para disfarçar a tristeza. Amanda olhou para a linda mãe que tinha, esposa dedicada... Simplesmente não entrava em sua cabeça que seu pai houvesse tomado a decisão de separar. O amor dos dois parecia tão pacato, tão bonito... Sempre temera que seu relacionamento com Max não durasse tanto como o dos pais simplesmente pela paixão dos dois ser intensa demais, e assim, talvez se desgastasse mais rápido. Samuel e Anastácia cuidavam um do outro, tratavam um ao outro com carinho, um romance pra velhice, de companheirismo. Ela e Max não; era tudo avassalador, fulminante, como ele gostava de classificar. Agora que via que o amor dos pais tinha prazo de validade, preocupou-se ainda mais com Max. Amava-o mais que tudo.

E sabia que um dia ele deixaria a esposa para ficar com ela.


*******************


— Vinte e sete anos, meu caro. Vinte e sete. Parece que foi ontem...

Samuel estava diante do túmulo de mármore com uma foto quase apagada de Macário. O cemitério estava vazio naquela manhã, como Samuel preferia. Estava cabisbaixo, o cabelo e barba tomados pelo grisalho; resistia a pintar, achavam charmoso um quarentão como ele com cabelo acinzentado.

— Quem dera você estivesse aqui pra me dar seus conselhos; estou muito confuso, como sempre. A Amanda vai sofrer com essa separação... Mas tem que ser feito, você sabe. Vamos, velho ridículo, levanta do túmulo e me diz uma de suas frases de efeito pra me fazer refletir...

Samuel ficou ali ainda por um tempo, o vento forte balançando as árvores. Despediu-se do velho amigo e caminhou cerca de um quilômetro até outro túmulo.

— E aí, brother?


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O homem forte de macacão azul com emblema da empresa de mudanças pegou uma grande caixa, pôs no ombro e saiu, sob supervisão de Samuel. Anastácia não quis estar em casa para ver a mudança, preferiu dar uma caminhada. Amanda estava no Sótão, chorando baixinho, cabeças e braços apoiados nos joelhos. Não era mais criança, mas seria duro ver a casa vazia, a mãe solitária, provavelmente se envolvendo com pessoas que detestaria. Amava o pai tanto quanto a mãe, era seu amigo, confiava nela, e ela nele. Sentia-se mais a vontade para falar de certas coisas com ele do que com a mãe.

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora