25. Queime no inferno

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Sua vingança, depois de anos, tivera um fim. Sempre achou que teria um vazio, já que era apenas o ódio que a mantinha viva, mas não. Sentia-se tranquila, com a impagável sensação de dever cumprido. Não havia nem um pouco de arrependimento em sua alma, apenas uma inquietação. Estava diante do prédio onde Samuel morava, com um envelope na mão. Dentro dele, a carta em que contava seu passado, e um pendrive com a filmagem de seu estupro. Imaginou o que aconteceria se Samuel descobrisse a verdade, e teve de admitir que o desgraçado do irmão dele estava certo.

Tomou sua decisão, seu último sacrifício por amor a Samuel.

Voltou para casa com o envelope em mãos. Tocou melodias tristes em seu piano enquanto revivia mentalmente todos os bons momentos com Samuel, um clipe mental que a fazia sentir-se leve, viva, amada, e de certa forma, pura. Então parou de tocar, pegou o celular, decidida dizer as palavras mais difíceis de sua vida.


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Samuel estranhou a ausência de Daniel nos dias seguintes. O irmão não atendia o celular, o que o preocupou bastante. Quando o médico lhe deu alta, esperava que Daniel o levasse de carro para casa, o que não aconteceu.

Pegou uma condução, chegou em seu apartamento com o coração apertado: Daniel não estava lá. Uma angústia crescente enraizou-se, mas tentou afastar os pensamentos ruins.

Ariel não faria isso...

Ele deveria estar trabalhando ou coisa do tipo, imaginou tentando consolar-se.

O celular tocou.

Era ele!

— Daniel?

— Não.

A voz de Ariel deu-lhe um medonho arrepio na espinha. Queria ouvir a voz dela, mas não nessas circunstâncias, não do celular de Daniel.

— Ariel? Onde está meu irmão? Por que está falando do celular dele?

— Seu irmão está morto — disse a voz fria do outro lado.

Samuel ficou zonzo, como se o chão sumisse sob seus pés, quase que literalmente.

— Do que você está falando?

— Eu o matei, Sam.

Samuel começou a tremer, o coração acelerado.

— Ariel, não tem graça! Cadê meu irmão?

— Eu disse que o matei. Usei você pra chegar até ele, agora não preciso mais de você.

Samuel respirava pesadamente.

— Cadê o Daniel? Você não faria isso comigo!

— Acha mesmo que uma mulher como eu ia se apaixonar por um merdinha como você? Eu usei você pra fazer o puto do seu irmão sofrer. E agora que ele está morto, saiba que sinto nojo por ter tocado meu lábios nos seus. Você é ridículo!

Samuel não conteve o choro. Era a dor de saber que o irmão estava morto e de ouvir palavras tão duras e cruéis de Ariel. Era tudo mentira? Daniel estava morto? Morto?

— Está chorando? Está vendo? Olha o que dá se envolver com crianças! Você não passa de um perdedor afeminado. Não tem ideia de como ri de seus poemas gays. Agora que Adão está morto e fiz o que tinha que fazer, não preciso fugir! Ficarei aqui em casa. Pode me visitar, se quiser!

— Por quê? Por que matar o Daniel? — gritou em desespero. — O que ele te fez?

— Ele não fez nada. Mato por prazer, escolho minhas vítimas e só descanso quando estão mortas. Agora fica aí choramingando a morte daquele lixo. Tchauzinho, meu amor.

Ariel desligou.


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Ariel colocou o celular de Daniel sobre o piano. Chorou com todas as forças. O que a consolava era saber que poupara Samuel da verdade. Sua alma estava dilacerada, tinha vontade de ligar novamente, desmentir tudo e dizer o quanto o amava, mas se conteve.

Pegou o litro de gasolina, espalhou o líquido pela casa inteira.


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Samuel chorava de dor pela perda do irmão, chorava de decepção, mas principalmente, chorava de ódio. E foi exatamente esse sentimento negro que o fez pegar o papel do bolso e discar o número.

Tocou uma, duas, três, quatro vezes.

A voz grave atendeu:

— Alô?

— Quer saber onde a Arlequim mora?

— Sim! — a voz de Leônidas encheu-se de entusiasmo.

Samuel disse o endereço, repetiu uma vez, então desligou, antes que o homem dissesse qualquer coisa. Sabia que ele seria cruel com Ariel, faria com ela exatamente o que ele desejava naquele momento, mas não tinha coragem.

Chorou por alguns minutos, ao mesmo tempo em que uma vontade crescente de voltar atrás começou a invadi-lo. Imaginou-se correndo para impedir uma tragédia, chegando e achando o corpo dela ensanguentado, o ruivo com a arma na mão; imaginou-se avançando sobre ele e levando um tiro, caindo ao lado dela, agarrando sua mão enquanto sua vida se esvaía. Um final cliché, romântico demais.

Não havia mais volta. Ela merecia.

Ela merecia.

Ela merece!

Ela merece!

Lembrou-se do irmão salvando-o:

Toquem em meu irmão e eu enfio isso na garganta de vocês!

Lembrou-se dos momentos em que ele esteve sempre ao seu lado, como o pai e mãe que não tinha. Seu herói estava morto.

Morra, desgraçada!

Morra!

No noticiário da noite, pouco depois de relatar o desaparecimento do irmão à polícia, viu um incêndio em uma casa que logo identificou ser a de Ariel. Dois corpos haviam sido encontrados: o de um homem e o de uma mulher, mas não haviam ainda sido identificados devido às queimaduras que os tinham desfigurado.

Sabia exatamente quem eram os dois.

Que queimassem no inferno.


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E se o livro acabasse aqui?

Felizmente tem mais. O que acharam da morte dela?

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora