16. Último suspiro

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— Ele quem? — perguntou calmamente Macário.

Leônidas fitou o velho impaciente.

— O garoto que entrou aqui. Ele trabalha aqui?

— Ah, claro. Saiu pelos fundos.

Leônidas fez uma careta e apertou o punho com força.

— Por que ele sairia pelos fundos? — indagou perguntando-se se o garoto havia notado que fora seguido.

— E por que não sairia? Eu estava mostrando a ele a sala de higienização dos cadáveres.

— Então você o conhece?

— Isso é uma pergunta ou uma afirmação?

Leônidas tirou a arma da cintura. Trancou a porta por dentro. Sentou-se diante de Macário, colocando a pistola sobre a escrivaninha.

— Onde ele mora?

— Por que eu saberia onde ele mora? — Macário mantinha-se impassível, alheio à arma diante dele.

— Olhe nos meus olhos, velho. Eu não estou nada disposto a perder tempo com você. Diga o que sabe sobre o garoto ou eu enfio uma bala em sua testa.

— Não tenho medo da morte. Olhe onde eu trabalho, eu vivo da morte.

Leônidas pegou a arma e apontou para o rosto de Macário, contendo a fúria.

— Sabe o que vejo quando olho para você? — perguntou no mesmo tom sereno. E sem aguardar resposta, continuou: — Vejo dor, sofrimento. Perda. Você perdeu tudo, não perdeu? Eu sinto sua aura negra, sinto o seu ódio.

Os olhos vermelhos de Leônidas encheram-se de lágrimas, o que fez com que fizesse uma careta de ira, por deixar-se demonstrar fraqueza. Aproximou o cano da arma do rosto de Macário, a mão trêmula.

— Onde o garoto mora? — disse cada palavra enfaticamente.

— Eu já perdi pessoas que amava também. Pessoas muito próximas — abriu a gaveta e pôs sobre a escrivaninha, a arma ainda fixa em sua testa. — Esta é minha esposa. Ela morreu em meus braços, teve um AVC... Ela era tudo que eu tinha —foi a vez de Macário deixar-se lacrimejar. — Os filhos foram embora, casaram, só restaram eu e ela... E agora sou apenas eu. Eu conheço a sua dor...

Leônidas cerrou os dentes, o corpo inteiro trêmulo, fazendo um esforço gutural para segurar as lágrimas que lhe escapavam dos olhos.

— Sua esposa foi torturada por dias antes de morrer? Você não conhece a minha dor, velho! Não tem ideia do que estou sentindo. Vou perguntar pela última vez: onde encontro o garoto?

— "Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós". Amado Nervo. Não deixe a dor consumir sua alma. Busque a paz.

Leônidas baixou a arma. Limpou as lágrimas com a manga da camisa. Deu as costas e foi até a porta. Então parou, olhando para baixo.

— Sabe onde vou conseguir paz, velho? — virou o rosto para trás e pousou os olhos sombrios nos de Macário. — Na dor dos responsáveis. E de quem estiver no caminho.

Deu três tiros certeiros no peito de Macário.

Destrancou a porta e saiu.

Macário ouviu mais dois tiros enquanto engasgava-se no próprio sangue. Fez um esforço para pegar a fotografia sobre a mesa e caiu no chão a segurando.

Estou indo, meu amor. Seu velho está chegando. Abriu um sorriso ameno para a foto.

E deu seu último suspiro.

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora