29. Eterno dia inexistente

1.6K 243 266
                                    

(tente ouvir todas as músicas, dá um clima inacreditável à leitura!)


Samuel aterrissou no aeroporto internacional de Calais, em Dunquerque em uma manhã ensolarada. Fazia frio, bem mais do que estava acostumado no Brasil. Pegou um táxi para o endereço dado por Vernon, com quem havia falado horas antes.

Passou pelos portões da muralha coberta de vegetação e passou por uma alameda de faias até chegar diante do casarão de pedra. Ariel havia conseguido ser bem-sucedida, pensou, no mesmo estado de ansiedade que deixara seu país. O frio na barriga era intenso demais, quase insuportável. Não tinha a mínima ideia de como reagiria àquele encontro.

Vernon o esperava diante da casa, com um largo sorriso, abraçado com uma bela mulher de cabelos loiros cacheados. Pagou o taxi e foi falar com seu anfitrião. Os dois se abraçaram forte.

— Esta é minha esposa, Marie — disse em português. — Marie, este é meu pai, Samuel — completou em francês para a esposa.

Os dois se cumprimentaram timidamente.

— Fez uma boa viagem? — Vernon perguntou.

— Nunca havia saído do Brasil.

— Acostume-se. Venha comigo, pai.

A sala era enorme, com uma grande lareira, móveis caros e quadros do personagem Arlequim e outros que Samuel não pôde identificar. Marie disse algo a Vernon, fez um sinal com a cabeça para Samuel e saiu, deixando os dois a sós. Sentaram-se um sofá em formato de L.

— Minha mãe era apaixonada por arte.

— Era? — Samuel sentiu um entalo na garganta.

— Ela faleceu há dois anos.

Samuel sentiu-se entontecer. Seu cérebro não conseguia digerir que havia perdido Ariel mais uma vez.

— Ariel morreu?

— Você a chama assim? O nome dela era Berthe.

Berthe? Apesar da surpresa, logo se lembrou de que ela tinha feito documentos falsos com nomes falsos. Havia recomeçado do zero. Ficou curioso com a escolha de tal nome.

— De que ela morreu?

— Aneurisma. Quando descobrimos era tarde demais, não havia mais como operar — disse com consternação.

Então um aneurisma conseguira a façanha que nem um incêndio conseguira.

— Você tem uma foto dela? — perguntou com a garganta seca.

— Claro que sim — levantou-se e se ausentou por alguns minutos. Retornou com um quadro na mão e uma pasta. — Era tão linda assim quando a conheceu?

Samuel tomou em mãos o quadro de Ariel fazendo uma pose glamorosa com um longo vestido. Aparentava ter pouco menos de cinquenta anos, mas a beleza era a mesma; havia envelhecido muito bem. Primeiro Samuel sentiu uma onda de ternura e dor por ter perdido a chance de revê-la. Depois, foi o ódio de saber o que aquela mulher havia feito que o sufocou. Ela tinha tatuado no peito uma frase inclinada em direção ao ombro, parcialmente coberta pelo vestido. Aproximou o quadro dos olhos para tentar ler.

Éternel jour inexistant — disse Vernon.

Samuel não precisou que ele traduzisse.

— Eterno dia inexistente... — tartamudeou.

— Na base da frase, sobre o peito, tem uma estrela amarela sobre um horizonte de duas linhas, retirada do livro O Pequeno Príncipe. Ela disse que era em homenagem a você.

Arlequim [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora