Destino - Parte 6

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Como eu já imaginara, não dormi. Duas horas antes do habitual, levantei e entrei no chuveiro gelado do único banheiro da minha casa. Não sei quanto tempo fiquei lá. Aliás, sei sim: uma hora. Sessenta minutos que pareceram um dia inteiro. Estava resolvido: eu não iria à escola aquele dia. Como minha mãe não costumava me forçar a ir – ela entendia que escola deveria ser prazer e não obrigação, eu disse apenas que não queria. Mas meu pai estava em casa... Quando percebeu minha intenção, ele, que nunca nunquinha jamais havia me forçado a ir, disse "vou com você de ônibus hoje". Meu sorriso amarelo a la Monalisa foi imediato. Eu, que dificilmente negara alguma coisa a ele, fui. Bom, eu queria ir, logicamente; mas paradoxalmente, não queria. Não sei se isso é inteligível.

O caminho até a escola me rendeu todas as unhas das duas mãos, o que certamente seria motivo de arrependimento tão logo encontrasse o rapaz. Meu pai falava sobre tudo no caminho: do vendedor de balas da rua até a cor das cadeiras do ônibus. Creio que o objetivo dele era me distrair. A sensibilidade dele falando comigo, como se tivesse adivinhado a importância daquele dia, foi uma das coisas que sempre me fez admira-lo e ama-lo.

Entrei no colégio fazendo o caminho mais curto e direto para a minha sala. Eu não conseguia olhar para os lados e estava com vergonha até da própria sombra. Não demorou muito tempo, ainda na primeira aula, a alcoviteira passou pela porta me cumprimentando um tanto efusivamente. Passei a mão no cabelo e abaixei a cabeça, querendo entrar no caderno e sumir do mundo. No intervalo, me limitei a ir até a cantina da escola e comprar uma bala – aquela mesma de quando tocamos a primeira vez um no outro e que eu nem sei se ele lembrava.

A proximidade da hora da saída era torturante;fazia eu me sentir andando na prancha de um navio pirata. O sinal deencerramento soou muito mais alto do que o habitual e eu, extremamentenervosa, tremia todos os ossos do corpo. Qualnão foi a minha surpresa quando, ainda dentro da sala guardando as coisas na mochila, ouviuma voz suave e impúbere ecoar ao meu ouvido. "Vamos?"; uma única palavra suficientemente forte para mexercom todos os hormônios do meu corpo. Coração fora do peito, tremedeiradesconcertante e glândulas sudoríparas a todo vapor, levantei os olhos. 

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