6 de maio, 7 horas – A noite foi complicada. O silêncio excessivo não permitiu que um homem criado na cidade grande, como eu, dormisse em paz. "Muita paz é a ausência da própria paz", já dizia meu pai, um austero comerciante de origem mestiça, que chegou à capital com pouco mais de 20 anos, mulher e filhos pequenos. Todos nós nascemos em uma pequena cidade chamada Cuçuá, mas não costumamos falar de lá.
Levantei-me pouco antes de 5 horas e fui fazer minha higiene matinal. A falta de água quente para o banho se repetiu no café frio e ralo da pousada rupestre. A lua ainda estava no céu em sua plenitude quando pus os pés no barro da rua. Não havia viv'alma a quem eu pudesse recorrer para conseguir pistas.
Cheguei à porta da igreja a tempo da primeira missa matinal, às 6 horas. Sozinho no altar, o pároco pregava um empolgado sermão para bancos vazios. Falava alto e claramente, como se a igreja estivesse cheia e barulhenta. Senti uma certa pena do homem, e me aproximei.
- Gostaria de conversar com o senhor, padre.
- Espere acabar a missa, rapaz.
- Mas não há ninguém na igreja!
- De certo que seus olhos não os veem. Mas não deve-se pedir para tocar as chagas de Cristo só porque não as vê. Tomé nos ensinou a crer, mesmo sem enxergar.
Certo de que o homem havia trocado o canônico do cálice por uma bebida mais saborosa, sentei no primeiro banco e aguardei. Ao fim da cena pândega, caminhei até o altar e tentei novamente.
- Gostaria de conversar com o senhor, padre.
- Não posso agora, meu filho. Vou atender confissões.
Olhei ao redor e não vi qualquer pessoa aguardando.
- Mas não há ninguém!
- Creia, e verás.
Voltei ao banco, já com certa dose de irritação, e aguardei por mais duas horas, fixando o olho no caixote de madeira trabalhada onde o padre entrou. Quando deixou o confessionário, caminhei em sua direção. Em respeito ao local sagrado, recusei-me a aumentar a voz para chama-lo, mas apertei o passo – e o esforço foi em vão. Ele andou pelas abóbadas e sumiu misteriosamente, em um local sem portas ou janelas por onde pudesse ter passado.
Saí do templo ostentando um misto de indignação, raiva e frustração. Deliberadamente, o padre fugiu de mim e escondeu-se. Indago: qual será o segredo que esconde?
Uma bela morena de cabelos negros esvoaçantes levantou-se do último banco do templo, o que me fez questionar quando ela chegara ao local. De vestido florido curto, um pequeno xale de renda branca e seus seios fartos, era desenhada com curvas perfeitamente harmônicas. Esquecendo minha raiva e atendendo aos anseios do meu corpo, segui a linda mulher. Uma sombrinha delicada estava acomodada em seu ombro, impedindo-lhe de olhar para trás, mas eu creio que ela aumentou o balanço das ancas quando percebeu que estava sendo seguida. Me aproximei, evitando o constrangimento de ser interceptado pela polícia:
- Senhora?! Podemos conversar? Meu nome é João Harker, venho da capital em busca de informações sobre as mortes ocorridas na cidade.
- Sei quem és e sei o que buscas.
- Pode me dar algumas informações?
- Tens certeza de que é isso que esperas de mim?
Sua pergunta foi uma porta abrindo para a lascívia. Os lábios carnudos atiçaram meus pelos e sentidos. Ela deveria ser fogosa! Percebi o desejo em seu olhar e reagi imediatamente. Mas quem seria aquela mulher?
- Quero muitas coisas, senhora. Ou devo dizer senhorita?
- Acompanhe-me.
Dando as costas para mim, seguiu com seu rebolado afrodisíaco pela rua. Meus olhos fitavam aquele caminhar malicioso. Pensei em Mina e em seu andar tímido e delicado, sempre ao meu lado ou ligeiramente atrás, como boa moça de família. Mas a lembrança me fugiu à mente quando um pé de vento levantou parte da roupa da mulher à minha frente. Permaneci seguindo-a como um cachorro faminto, admirando a vista e imaginando o quão prazerosa seria a nossa conversa.
Alguns poucos minutos depois, estávamos diante de um casarão branco e azul muito bem conservado. Flores coloridas subiam pelas janelas e a alegria do local era contagiante, ainda que meu foco não conseguisse ser desviado das ancas espanholas de lábios carnudos. A sós na casa, ela ofereceu-me uma taça de vinho, deixou o cômodo e retornou sem a renda sob os ombros, com duas taças nas mãos.
- Notei que observou-me da janela do trem. Creio que tenha muitos desejos ocultos ao me olhar. Preciso, primeiro, dizer que sou a mulher do Prefeito falecido.
Meus olhos estavam arregalados no rosto, mas não tinham sido atingidos por aquela notícia, que passou como um simples "bom dia". Ela percebeu de imediato o efeito que tinha em mim e suas palavras, certas como flecha no alvo, eram precisas e verdadeiras. Não havia rodeios e floreios. Eu não conseguia falar; meus olhos estatelados sob o balanço rítmico dos seios da mulher fez-me viver um deja vù da puberdade. "Controle-se!", pensei, tentando trazer-me de volta à lucidez, bebericando a bebida.
- Agora que nos apresentamos devidamente, sei que tens dúzias de perguntas, mas já lhe adianto as principais respostas. Não o amava, mas não o matei; ele dormia no quarto dele quando foi atacado; eu dormia na rede da varanda e não escutei nada.
- Na rede?
- Sim. O calor da noite me faz querer dormir sob a luz da lua cheia. Sinto o suor escorrer pelo meu corpo, fazendo minha camisola de renda preta grudar na pele e...
Sua boca se mexia e sua voz era como um cantarolar nos meus ouvidos. O toque suave de seus dedos descendo pelo torso me deixou em transe e não lembro de mais nada depois disso.
Acordei já no meu quarto da pousada, nu. Preciso analisar estas minhas aventuras mais atentamente, afinal sou um homem casado agora. Eu estava cansado, todavia, como se tivesse feito exercícios extenuantes por horas.
Não comi nada ontem nem tampouco descobri qualquer coisa além das curvas de uma mulher.

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Devaneios Curtos
RomanceNão é uma história, são várias. Ficção, romance, sexo ou o que mais passe pela minha cabeça.