Ele andava sorrindo, sempre rodeado de amigos. Nossos olhos se cruzaram não uma, mas diversas vezes. Honestamente, os meus procuraram os dele dezenas de vezes; nem sempre com êxito. Nosso cheiro se misturou algumas poucas vezes, mas o dele sempre anulou o meu; e isso não era necessariamente ruim, pois que seu perfume era muito mais marcante que os meus feromônios. Eu era invisível, uma pessoa qualquer perdida no mar de indivíduos que entupiam a plateia dele no show que dava em cada passo. O cabelo comprido loiro e brilhoso preso em rabo de cavalo, os olhos caramelo, a voz de menino e todo o resto do corpo dele compunham a sinfonia perfeita. E eu queria veementemente ser a musicista daquela pauta.
O último ano do primeiro grau todo foi assim. Eu me escondia na sala do final do corredor e ele entrava e saía de outra, a mais perto da escada. Eu abaixava a cabeça quando ele passava, usando os óculos de manto; e ele olhava sempre em frente – não para cima, não para baixo. Por várias vezes me peguei pensando se ele sabia o efeito que causava em mim e na maioria das meninas comuns. Mas isso eram devaneios de uma menina de 14 anos. Logicamente, se ele não me via, nunca se importaria com o que eu sinto – com o que ele me fazia sentir. A obviedade do pensamento me deprimia – até certo ponto.
Lembro de uma vez, de uma única oportunidade, em que nossos dedos se tocaram pelo mesmo pacote de balas. Ele sorriu, eu ruborizei, suspirei e me envergonhei. Minha mente divagou na sensação de vitória porque tínhamos algo em comum: o gosto por aquela bala específica. Mas esse sentimento durou um longo tempo definido pelo caminho dele até a menina que acompanhava seu grupo; a eternidade de sessenta segundos. Ela não era a mais linda de todas; era apenas feliz com sua própria condição, firme com seus objetivos e absolutamente alheia ao que os outros poderiam pensar dela. Ela estava acostumada com a beleza incomparável dele e conseguia lidar com isso como notícia lida. Eram amigos – e isso bastava para ela, ou simplesmente não fazia a menor diferença.
Muitas vezes, sozinha, eu sentava em um canto da imensa quadra de esportes onde todos do colégio se encontravam na hora do recreio e tocava gaita. Era basicamente o show de um único espectador, um monólogo no teatro vazio. As músicas eram apenas para mim, pois não conseguia conceber a hipótese de alguém ouvir o que eu soprava. Minha timidez não permitia.
Em um dia de novembro, eu arrisquei. O ano estava acabando e eu mudaria para outro colégio no ano seguinte. Então, fui ousada, romântica e abobalhadamente audaciosa. No momento em que ele e seu cortejo se aproximaram, aumentei o sopro, o som, a melodia... Escolhi um ode à beleza divinal dele e esperei por um olhar. Em vão. Eles riam alto e não me ouviram. Ou ouviram e aumentaram o riso para que eu não os atrapalhasse. Diminuí o volume e a intensidade da Hering diatônica. Mudei de música, adotando um réquiem sonoro do meu próprio enterro social. Ele era um príncipe; eu, a plebeia. E eu acreditava que sempre seria assim.
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Devaneios Curtos
RomanceNão é uma história, são várias. Ficção, romance, sexo ou o que mais passe pela minha cabeça.