Destino - Parte 3

5 1 0
                                    


O ano terminou e eu estava convencida de que nunca mais o veria. Respirava aliviada pelo fim da agonia de ser uma adolescente suburbana perdida em uma escola eminentemente burguesa. Eu, filha de comunista, estudava em uma escola pública que, por ironia de uma forma de admissão que privilegiava os alunos com melhores oportunidades primárias, era o maior centro de pessoas abastadas. La estava a nerd, óculos bifocais que deixavam meus olhos muito maiores do que eram, abestada com o representante europeu do modelo de beleza para os brasileiros. Lá estava uma menina criada dentro das asas dos pais, envolta em livros e ideais libertários, filmes clássicos e música popular, enfeitiçada pelo menino rico. Uma pessoa como eu nunca seria notada por uma pessoa como ele; uma pessoa como ele nunca prenderia a atenção de uma pessoa como eu. E a crueldade daquela paixonite platônica era clara.

Eu deitava a cabeça no travesseiro todas as noites com a certeza de que ninguém era perfeito. Se era bonito, tinha que ter algum defeito de personalidade. Eu precisava macular aquela imagem de qualquer maneira. Na minha cabeça, ele passou a ser chato, soberbo, metido a besta. Mas, assim que pensava nele, duvidava das minhas premissas. Como alguém que sorria tanto poderia ser assim? A perfeição é o pior defeito do homem. Então, eu me consolava: o cara era perfeitamente defeituoso.

O ano novo me trouxe um problema: a esperança de uma vida nova. Depois de três meses de férias aproveitados ao som dos filmes mudos de Chaplin, relendo "Pollyana" e alguns Agatha Christie, descobrindo a diferença entre proletário e trabalhador e a pronúncia de "Freud", coloquei o uniforme do novo colégio, um tênis preto que tinha sido do meu irmão, respirei fundo e parti para a nova etapa, ainda com o almoço entalado na garganta.


Devaneios CurtosOnde histórias criam vida. Descubra agora