Harker - Parte 3

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4 de maio de 1973, 20 horas – Cheguei à Igreja de São Lourenço pouco depois das 9 horas. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que o castelo que avistei do trem era, na verdade, o templo de orações do vilarejo.

A construção datava do início do século XVII, ainda que a arquitetura românica não permita uma associação imediata. De fato, as sete naves abobadadas no interior do templo permanecem vazias, especialmente considerando-se a irrisória população local. Por cerca de uma hora, admirei o esmero e simplicidade paradoxal do complexo conjunto de arcos internos. Creio que cheguei a adormecer, porque o padre me acordou quando já anoitecia.

- Já passa de 5 horas, meu filho. A Igreja fechará agora.

Quando ele me disse as horas, confesso que me assustei – e por diversos motivos. Não costumo sentir sono de dia, não comi nada o dia todo e, o pior de todos, dormi no banco da Igreja por mais de 7 horas sem ninguém me chamar! Apenas a batina de branco encardido comprovava tratar-se do pároco. Nunca imaginei que um aborígena pudesse ser católico, mas o cabelo negro, liso e comprido, os olhos escuros e a pele de um marrom claro notável foram a primeira pista que tive de sua ascendência. A voz grave e assustadora seguia um tonal irregular, que denunciou o medo do homem. Angustiado, pediu-me que saísse com urgência, eis que a precisaria trancar o templo antes do pôr-do-sol.

Questionado sobre os motivos, limitou-se a responder que não era seguro. Criado em cidade grande, imaginei que os exageros provincianos deveriam ser atribuídos aos receios quanto aos tantos animais selvagens que certamente habitavam o vale. Onças, de certo.

Infelizmente, não houve argumento capaz de convencê-lo a responder algumas perguntas. Praticamente escorraçado do que deveria ser a "casa de Deus", deparei-me com uma cidade fantasma assim que pus os pés na rua. E ainda não havia uma estrela no céu!

Voltei ao hotel desanimado e sem respostas. Sem nenhum sinal de fome, fui direto para o quarto. Escrevi uma carta de próprio punho à querida Mina, eis que aqui até mesmo o contato telefônico é precário. Contei-lhe sobre o lugar, suas belezas e umidade e, deixando de lado as crendices do local, reforcei que não se preocupasse, eis que pretendo voltar à capital em dois dias, no máximo três. Amanhã levarei ao posto de correio na primeira hora e irei, sem delongas, fazer minhas perguntas ao padre indígena.

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