Chapter 03

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A próxima coisa de que se deu conta, quase inconsciente, foi que sua língua doía e que seguia aos solavancos em alguma espécie de comboio. O assobio rouco de uma locomotiva num cruzamento lhe disse onde se encontrava. Estava habituado a viajar com o juiz e podia perfeitamente reconhecer quando estava dentro de um vagão bagageiro. Abriu os olhos, e desceu sobre ele a ira descontrolada de um rei sequestrado. O sujeito tentou agarrar-lhe a garganta novamente, porém Buck moveu-se rápido demais para ele. As mandíbulas fecharam-se sobre a mão do homem, e Buck não as relaxou até que perdeu novamente os sentidos.

-É! Ele tem uns desmaios! -disse o sujeito, escondendo a mão ferida de um funcionário do trem que fora atraído pelo barulho da luta.
-O chefe mandou levar ele pra Frisco. Tem um veterinário lá que pode curá-lo!
Mas, conversando depois a respeito da viagem daquela noite, o sujeito foi bem eloquente. Estava num pequeno barracão, nos fundos de um saloon na zona portuária de San Francisco.
-Só vou ganhar cinquenta
pratas pelo serviço! - resmungou.  -E não faria isso de novo nem por mil, em dinheiro vivo!
Sua  mão estava enrolada num lenço manchado de sangue, e o lado direito da calça, rasgado do joelho ao tornozelo.

-Quanto é que o outro cara vai ganhar nessa?   -perguntou o gerente do saloon.

-Cem pratas! E não aceita nem um centavo a menos! Então, vai me ajudar?

-Isso soma... cento e cinquenta!  -calculou o gerente do saloon.

-E, ou estou muito enganado, ou o cão deve valer mesmo esse dinheiro!
O raptor retirou o lenço molhado de sangue e olhou para sua mão dilacerada:
-Só faltava agora eu pegar hidrofobia!

-Ora, não se preocupe! Você nasceu mesmo é para morrer enforcado! -debochou o gerente. -Me ajude aqui, assim se livra mais rápido da sua mercadoria!
Tonto, sofrendo uma dor intolerável na garganta e na língua e com a vida por um fio, Buck tentou enfrentar seus torturadores. Porém foi derrubado e esganadura repetidas vezes, até que conseguiram soltar a pesada coleira do seu pescoço. Então, removeram a corda e foi jogado numa espécie de jaula.
Lá permaneceu pelo resto daquela terrível noite, acalmando sua fúria e consolando seu orgulho ferido. Não podia compreender o que estava acontecendo. O que aqueles homens estranhos estavam querendo dele? Por que o haviam prendido nesse engradado tão estreito? Não tinha nenhuma das respostas, mas pressentia uma eminente calamidade, e essa sensação o oprimia. Diversas vezes, durante a noite, pôs-se de pé quando a porta do barracão batia. Esperava ver o juiz ou, pelo menos, seus filhos. Mas, a cada vez, tudo o que via era o rosto cheio de marcas do gerente do saloon, espiando-o sob a luz débil do candeeiro. E, a cada vez também, o ganido trêmulo em sua garganta tornava-se um rosnado selvagem.
Porém o gerente do bar deixou-o em paz, afinal, e pela manhã quatro homens apareceram para transportar a jaula. Mais torturadores, presumiu Buck, já que eram todos pessoas de aspecto vil, maltrapilhos e ameaçadores. Latiu raivoso, avançando contra eles, através das barras. Os homens riram, apenas, e o provocaram com um pedaço de pau, no qual Buck aferrou os dentes-até que se convenceu de que era isso mesmo que queriam. Então, deitou-se quieto, permitindo que a jaula fosse carregada.

O Chamado SelvagemOnde histórias criam vida. Descubra agora